VERDADES
Chico Mattoso
Ainda não sei como olhar para esta cidade. Conforme o esperado, a Havana que fabriquei na minha cabeça é completamente diferente da Havana real. Me sinto observando uma fotografia borrada. Quando as coisas parecem começar a ganhar sentido, sou assaltado por uma impressão absolutamente diferente da primeira — e tudo volta a se esfacelar.
O verbo talvez seja apropriado. Havana, em boa parte de sua extensão, é uma cidade esfacelada. Ando rumo à casa de um amigo, aqui mesmo no bairro de Vedado, e a paisagem parece ter sido vítima de um bombardeio. Há calçadas arrebentadas, prédios carcomidos, fachadas desfiguradas. Entro num edifício, subo alguns lances de escada e à minha volta não há nada que não esteja remendado ou corroído.
A visão destes destroços fica mais irreal com a óbvia constatação de que não estão abandonados. Muito pelo contrário. Lá dentro vivem estudantes, médicos, advogados, artistas, aposentados, taxistas, funcionários públicos, todos levando sua vida, indo ao trabalho, ao cinema, à sorveteria, ao beisebol.
Ou a uma exposição de arte. No início da tarde, sou levado ao Museu de Belas Artes, onde acontece a abertura da mostra de Raúl Martínez, um dos precursores da — sim, ela existe — pop art cubana. O espaço do museu é moderno, limpo, acolhedor, e a exposição um sucesso. Saio dali e, depois de um chop-suey matador, completo a jornada num pequeno teatro onde se apresenta a peça Chamaco, de autoria de um jovem dramaturgo cubano. O espaço, mais uma vez, está apinhado de gente. A peça trata de prostituição, miséria, violência, e não há nenhuma referência à revolução ou ao regime. O espetáculo é ovacionado, e na saída, sentindo pela primeira vez uma brisa fresca em meio ao forno industrial que é esta cidade, fico tentando conjugar cada uma das realidades que testemunhei ao longo do dia. Leia mais aqui...
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