quinta-feira, 19 de julho de 2007

Terrível profecia

Tereza Cruvinel

Pode até ficar provado que a tragédia de Congonhas não foi causada pela crise aérea, mas o fato é que ela aconteceu no aeroporto símbolo da crise. As primeiras investigações trouxeram informações sobre eventuais problemas na aeronave, que acelerou inexplicavelmente no pouso, e a atuação do piloto, ao arremeter.
Mas o desastre aconteceu em Congonhas, onde sempre se disse que ainda aconteceria. E como o governo, desde o acidente da Gol, não agiu com a presteza exigida, tomando medidas convincentes e eficazes, vai apanhar pelo que deve e pelo que não deve.

Agora, o presidente Lula terá de tomar alguma medida de grande envergadura, que dê solução satisfatória à crise.
Uma das sugestões que recebeu ontem foi para criar logo um órgão coordenador dos tantos outros que convivem no setor, às vezes trombando entre si: Ministério da Defesa, Anac, Infraero, Aeronáutica/ Decea. Um órgão gestor, acima de todos estes, a ser ocupado por um executivo altamente especializado. E fazer logo as degolas que nunca quis fazer.

O fato é que, nestes últimos dez meses, o governo agiu como quem não temia o pior, subestimando a crise e os transtornos dos usuários.
Alegou sempre que a crise era resultado de diferentes problemas acumulados — poucos e rebeldes controladores, equipamentos obsoletos, demanda explosiva, aeroportos com a capacidade estourada, etc. etc. E que quase todos eles não podiam ser resolvidos no curto prazo. Mesmo assim, nunca houve uma demissão exemplar, nas cúpulas.

Os controladores só entraram na linha quando a hierarquia cantou, punindo e prendendo. E ficou sempre a impressão de que falta uma voz de comando no setor, acima dos que já falaram tanto.
Lula, segundo auxiliares, teve um péssimo dia. Fez muitos questionamentos, inclusive sobre a liberação da pista de Congonhas (por pressão das companhias aéreas e dos usuários), antes de ter sido feito o grooving, as tais ranhuras anti-derrapagem. Era preciso esperar que o asfalto madurasse, o que levaria uns 40 dias. Mas especialistas já diziam ontem que elas não são obrigatórias, ajudam mas não garantem pouso seguro. Indo ao Planalto por outro motivo, o prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel, sugeriu a criação do órgão gestor, que outros também propuseram, e, no caso de São Paulo, o desvio de verbas do PAC para a imediata construção da terceira pista de Guarulhos.

— Tenho ouvido de gente do ramo que esta pista é urgente, e que, sem ela, não é possível desafogar Congonhas.
É preciso enfrentar a pressão das empresas para operar ali, apesar dos problemas — diz ele.

Não faz muitos anos, Congonhas só atendia à ponte aérea Rio-São Paulo. Com a crise das empresas, surgiu a Gol e um modelo gerencial que garante preços mais baixos com a ocupação dos aviões (no ar) pelo maior tempo possível. Para isso, nada como operar em Congonhas, Santos Dumont e Pampulha, aeroportos centrais. Deixando e pegando passageiros neles, os aviões andariam cheios. Congonhas congestionouse, virou símbolo da crise e as profecias se cumpriram, lamentavelmente.

Aqui, entram os se. Se um avião tão grande não pousasse ali, naquela pista curta, poderia não ter acontecido. Se a pista já tivesse as ranhuras...
(Embora não tenha chovido muito na terça-feira, apenas garoava. Embarquei ali uma hora antes do acidente. No dia anterior, choveu muito mais). Pode até ficar provado o contrário, mas, por tudo o que já aconteceu, a causa é a crise aérea e a conta é do governo.

Um custo político alto, que só poderá ser enfrentado com medidas, ação governamental.
Mas este é um assunto grave e doloroso demais para ser explorado politicamente, como fizeram nas primeiras horas os líderes da oposição. Ou boa parte deles. Louve-se, por sinal, a conduta sóbria de dois deles. Em seu ex-blog, o prefeito Cesar Maia falou de consternação e solidariedade, desejando que “as equipes que investigam trabalhem em profundidade e sem açodamento para que, além das conclusões, venham medidas para evitar outras tragédias”.

A mesma sobriedade foi adotada pelo presidente do PSDB, senador Tasso Jereissati, na nota em que lamentou a morte, no acidente, do deputado Julio Redecker.
Sem o tom acusatório por outros usado, lamentou a tragédia e recordou a trajetória, a honradez e a combatividade do líder da minoria, de fato um melhores deputados das últimas legislaturas.

Leia na integra a coluna de Tereza Cruvinel no jornal O Globo (para assinantes)

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