domingo, 22 de julho de 2007

Excesso de erotismo na mídia vira polêmica na Itália

Críticos vêem no fenômeno um sinal da derrota das conquistas feministas.

Valquíria Rey - BBC

São Paulo - A exploração do corpo feminino em peças publicitárias e nos mais variados programas de televisão se transformou em um debate nacional na Itália, onde críticos vêem no fenômeno um sinal da derrota das conquistas feministas das últimas décadas.

"A Itália é o país das mulheres nuas" e "Onde as mulheres são apenas objetos" foram os títulos que estamparam os dois principais jornais italianos nesta semana, numa referência às jovens bonitas, com pouco ou nenhum talento, que aparecem vestindo biquínis, sutiãs minúsculos ou microssaias em quase todos os programas televisivos e peças publicitárias no país.

De acordo com as publicações, passadas três décadas da aprovação das leis que legalizaram o divórcio e o aborto, consideradas marcos das conquistas femininas, as italianas parecem não se importar com o fato de que estão sendo exploradas e tratadas como simples objetos.

O assunto veio à tona depois que o jornal inglês Financial Times publicou um artigo de quatro páginas criticando duramente o tratamento reservado às mulheres na Itália: "o uso de bailarinas em todos os gêneros de programas televisivos, as peças publicitárias dominadas por alusões sexuais, o prevalecimento da mulher como objeto, destinada a excitar os órgãos genitais dos homens em vez do cérebro".

Adrian Michaels, autor do texto, diz que o mais surpreendente é a ausência de protestos. De acordo com ele, "aparentemente, as mulheres não vêem nada de mal em terem seus corpos descobertos inutilmente para divulgar qualquer produto".

No centro da polêmica, está a campanha publicitária de uma grande companhia de telefonia celular, com cartazes e outdoors espalhados por todos os cantos do país utilizando a imagem de uma famosa ex-bailarina de programa televisivo, vestindo um reduzido biquíni vermelho numa pose para lá de sensual.

Na foto, o que mais se vê são as pernas em pose sexy e os fartos seios da modelo. É preciso se esforçar para entender que o produto da venda é um celular.

Emma Bonino, ministra para o Comércio Internacional e para a Política Européia e protagonista de muitas lutas feministas nos anos 70, diz ter a sensação de que o feminismo não existe mais no país.

A ministra lembra que em 1976, 11% do parlamento eram formados por mulheres. Após três décadas, o percentual é o mesmo.

Nas maiores empresas, apenas 2% dos conselhos de administração são integrados por mulheres.

Sobre a presença feminina na administração pública e nos negócios, a Itália ganha somente do Chipre, Egito e Coréia do Sul, conforme levantamento feito em 48 países pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Com homens decidindo a elaboração das leis, além do acesso desigual ao mercado de trabalho, a falta de creches e o machismo imperante, grande parte das adolescentes italianas diz sonhar em trabalhar como bailarinas - velina, valletta, soubrette, showgirl, os mais diversos nomes usados na Itália para identificar as jovens que usam pouca roupa, dançam ou têm papel secundário em programas televisivos.

"Há uma grande confusão. As jovens não entendem mais a diferença entre o trabalho de uma atriz e aquele de uma valletta", disse a atriz Francesca Reggiani em uma entrevista ao La Repubblica.

"Entre seios e traseiros ao ar estamos arriscando chegar a um retrocesso cultural do país".

Na avaliação da socióloga Chiara Saraceno, o feminismo no país é uma batalha perdida. De acordo com ela, até mesmo as parlamentares e as jornalistas buscam se assemelhar às modelos e atrizes. BBC Brasil

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