sexta-feira, 13 de julho de 2007

O apagão argentino

Celso Ming desnuda as ilusões que foram vendidas sobre o crescimento econômico da Argentina. Muitos dos analistas que enalteciam o caminho argentino o faziam para questionar a política de Lula e Palocci, recusando assim o caminho do crescimento com estabilidade que esta mostrando no Brasil um êxito indiscutível.

Além da diversos economistas, um dos que dava Argentina como exemplo era José Serra (o mesmo que durante a campanha de 2002 dizia que Lula provocaria a mesma crise que afundou a Argentina) e, vez e outra, o gerente Geraldo fazia eco. Mas também no PT muitos defendiam teses semelhantes.

Isto não significa que a Argentina tivesse muitas outras escolhas que as trilhadas pelo governo Kichner. Na sua situação especifica, com a profundidade da crise e as fragilidades políticas e de apoio do governo Kichner, esse caminho talvez fosse o razoável. Celso Ming chama a atenção para esta situação especifica.

Fica uma lição: cada situação nacional é constituída por múltiplos fatores políticos, históricos, nacionais e internacionais, conjunturais, objetivos e também subjetivos, na qual se expressam relações de força sociais e políticas especificas.

Fica também um alerta: o vale tudo contra o governo Lula expõe as vezes muito rapidamente a falta de consistência dos "trololós" políticos.

A mídia e a população deveriam ficar alerta contra esses políticos que constroem sua imagem de deuses infalíveis vendendo gato por lebre.

Luis Favre

O Estado de São Paulo

Celso Ming, celso.ming@grupoestado.com.br

Acidentes de avião, garantem os especialistas, nunca têm uma única causa.

As trombadas econômicas também são assim. Quase sempre são provocadas por falhas múltiplas, mecânicas, naturais e humanas.

A Argentina vive uma crise energética que não pode ser atribuída à baixa inesperada da temperatura que levou as famílias a usar mais gás para aquecimento doméstico. Como tem de ser em situações assim, é a política que tem de ser questionada.

Quando a Argentina passou a exibir crescimentos econômicos recordes (ver gráfico), alguns economistas brasileiros não levaram em conta que as curvas rampantes não refletiam mais do que a recuperação nominal das perdas ocorridas em 2001 e 2002, em conseqüência de outro apagão, ainda mais grave, o do Plano de Conversibilidade, que ao longo da década de 90 garantira paridade de 1 para 1 entre dólar e peso. E se apressaram a recomendar ao Brasil o modelo adotado por lá, que começara com o calote de cerca de 80% da dívida pública.

Ao iniciar seu mandato em 2003, a principal preocupação política do presidente Néstor Kirchner foi garantir apoio. Fora eleito com apenas 22% dos votos no primeiro turno e, por desistência do concorrente, Carlos Menem, acabara sacramentado no cargo, sem realização de um segundo turno das eleições presidenciais.


Para garantir legitimidade, além de impor um plano de reestruturação da dívida pública, adotou um modelo populista de administração, baseado no reajuste generoso de salários e aposentadorias. A fim de evitar a escalada da inflação de demanda, interveio no abastecimento. Instituiu um Imposto sobre Exportações (confisco) de 5% sobre manufaturados, de 20% sobre as principais commodities agrícolas (carne, soja, trigo e milho) e de 30% a 40% sobre derivados de petróleo.

Os preços são rigidamente controlados. As perdas de faturamento externo vêm sendo em parte compensadas, também, por mecanismos de câmbio administrado que mantêm a moeda argentina artificialmente desvalorizada em 3,10 pesos por dólar.

Nesse ambiente confiscatório e controlado, não há estímulo ao investimento. E aí já se pode conferir por que o abastecimento de energia está à beira do colapso.

Apesar dos controles, os preços disparam. O organismo aferidor da inflação está sendo acusado de manipular seus números para que o resultado anual não passe de um dígito (abaixo de 10%) e a população tenha a sensação de que tudo vai bem. O objetivo, claro, é garantir vitória do governo nas eleições de setembro.

O racionamento de energia ainda não saiu porque o governo Kirchner não quer admitir a existência do problema. Mas pode se tornar inevitável e aí começará a temporada de caça aos culpados.

Qualquer que seja o desfecho desse caso, já não dá mais para recomendar ao Brasil a adoção da política macroeconômica da Argentina, como o fez o ex-ministro Bresser Pereira, em artigo publicado na Folha no dia 1º de janeiro.

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