Trololó de político
Celso Ming, celso.ming@grupoestado.com.br
Se está tudo errado no câmbio, como denuncia o governador José Serra, o que então seria preciso para consertá-lo?
Descartem-se as manobras fáceis. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, tem alertado que 'não é simples mudar o câmbio'. O ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, também não vende ilusões. Para ele, 'o câmbio é problema, mas não tem solução' - como disse alguns minutos antes do pronunciamento em contrário do governador José Serra.
O antecessor de Miguel Jorge no ministério, Luiz Furlan, lutou três anos e meio dentro do governo para mudar o câmbio e, no fim de sua gestão, concluiu, pesaroso, que 'não há o que fazer'...
Mas Serra entende que 'o Brasil é trouxa em política externa e vive desvario cambial'. Insiste em que a trajetória do dólar no câmbio 'é artificial' e que as explicações do governo - e aí entendam-se as do presidente Lula, dos ministros Mantega e Miguel Jorge e do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles - não passam de 'trololó para enganar quem não é economista'.
Para Serra, a atual política vai desembocar no desastre cambial. No entanto, nunca se viu confluência tão favorável. Pela primeira vez na história, o Brasil é credor líquido do resto do mundo. O balanço de pagamentos apresenta superávit pelo quinto ano seguido, inexplicável se tudo estivesse tão errado com o câmbio. As exportações seguem crescendo a 20% ao ano e as de manufaturados, mais vulneráveis à valorização do real, avançam a ritmo mais lento mas, ainda assim, inegavelmente forte, de 14,5%.
Não há quebradeira na indústria. O setor de veículos cresce a 22% ao ano. O consumo segue a 6% e o avanço do setor produtivo, que tende a ser superior a 4,5% neste ano, parece mais sustentável do que nos tempos de desvalorização diária do real.
O governador não adianta o que seria preciso para desentortar o câmbio. Mas suas críticas à política monetária ('uma insanidade') são uma pista do que faria se estivesse no comando: derrubaria os juros, sem-cerimônia. O governador aparente quer que os juros sejam acionados prioritariamente para reduzir a entrada de dólares, dentro do pressuposto de que o grande responsável pela valorização do real é a especulação: os recursos vêm para cá de países onde os juros são baixos para serem convertidos em reais e tirar proveito dos juros altos aqui dentro. Para dizer o mínimo, isso exigiria forte guinada na política de metas de inflação.
Mas Serra não se limitaria a usar os juros para derrubar o câmbio. Anuncia uma das providências complementares: a volta da cobrança do Imposto de Renda nos juros pagos aos tomadores estrangeiros de títulos públicos, como se essa isenção fosse fator relevante de afluxo de dólares.
É provável que defenda outras mudanças, as mesmas que são preconizadas por quem pensa como ele: o controle na entrada de capitais de curto prazo e a imposição de um Imposto de Exportação (confisco) sobre exportações de produtos primários (minério de ferro, matérias-primas alimentícias e metálicas e, provavelmente, etanol).
Mas esse não é trololó de economista; é de político de olho no Palácio do Planalto.
O Estado de São Paulo (para assinantes)
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