Planalto admite desgaste e discute como reconquistar a classe média
Cristiano Romero
Jornal Valor (para assinantes)
Depois de recuperar, no ano eleitoral, parte do prestígio que havia perdido na classe média durante a crise do mensalão, o presidente Lula voltou a perder apoio nesse segmento da população por causa do apagão aéreo, agravado pela tragédia do vôo 3054 da
No grupo da população com renda mensal familiar superior a dez salários mínimos (R$ 3 mil), 32% consideram a gestão Lula ótima/boa e 32% a classificam como péssima/ruim, enquanto 36% julgam-na regular. Na pesquisa anterior, feita em março, o índice de rejeição estava em 26%, mesmo percentual do período pré-mensalão. Já o índice de aprovação caiu, no mesmo período, sete pontos - de 39% para 32%.
Esses números acenderam a luz amarela no Palácio do Planalto e mobilizaram o núcleo decisório do governo, que na semana passada começou a discutir o que fazer para mudar esse quadro. A avaliação inicial, segundo ministros e assessores ouvidos pelo Valor, é a de que a classe média tem sido "fortemente beneficiada" pela retomada do crescimento. Numa reunião, um ministro questionou, porém, se o crescimento não estaria demorando a chegar para esse segmento da população. Essa possibilidade foi imediatamente descartada. "Ao contrário. Está chegando. Não há mais engenheiros para contratar no Brasil, o que significa dizer que a mão-de-obra qualificada, típica da classe média, está se beneficiando da geração de empregos", explica um assessor do presidente.
Na mesma reunião em que o tema foi discutido, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, mencionou iniciativas tomadas pelo governo para ajudar a classe média e os efeitos da política econômica que a teriam beneficiado - entre outras coisas, foram citados a correção da tabela do Imposto de Renda, a expansão do crédito e dos prazos de financiamento (hoje, assinala um ministro, é possível financiar a compra de um carro em sete anos), o recorde de saques de recursos do FGTS para aquisição da casa própria, o aumento da geração de emprego formal, a criação do ProUni.
Mantega ficou encarregado de reunir, num documento, todas as medidas pró-classe média adotadas pela gestão Lula. A idéia é usar esse material para balizar o discurso oficial. O governo, segundo um ministro próximo do presidente, não fará propaganda para melhorar sua imagem nem adotará medidas específicas para beneficiar esse segmento social. A disposição, revelou um auxiliar de Lula, é ir para o que ele chama de "disputa política", o que envolve embates com a oposição, a adoção de medidas na área de segurança, o fortalecimento do Estado onde ele está fraco ou inoperante - o caso da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), que teria sido capturada por interesses privados, foi mencionado como exemplo.
"A disputa política se dá primeiro para a classe média perceber as conquistas econômicas. Em segundo lugar, é preciso ela perceber que o fato de outros setores da sociedade estarem tendo conquistas econômicas é bom e não ruim para ela. Isso é uma batalha política porque sempre haverá um sujeito incomodado com outro sujeito que está crescendo embaixo dele", argumenta um ministro do núcleo. "No fundo, a discussão é de um projeto de país. Um país em que o crescimento econômico se dá com democracia e inclusão social é melhor para a classe média."
Um exemplo dessa "disputa política", diz um assessor do presidente, foi travado no segundo turno da eleição presidencial, quando Lula, ao perceber que precisava reconquistar setores da classe média insatisfeitos desde a crise do mensalão, adotou discurso antiprivatização. A estratégia funcionou, facilitada pelo fato de seu adversário na disputa - o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB) - ter se recusado a assumir o legado do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, principal responsável pelas privatizações ocorridas nos anos 90.
De fato, as pesquisas mostram que, entre o primeiro e o segundo turno da eleição de 2006, o índice de aprovação de Lula na classe média cresceu 14 pontos percentuais e o de rejeição, caiu três pontos. Nos meses seguintes, a aprovação ficou estável e a rejeição diminuiu seguidamente até chegar, em março, a níveis pré-mensalão.
Quando iniciou o primeiro mandato, Lula tinha baixa rejeição na classe média - 11%, segundo pesquisa feita em março de 2003 pelo Datafolha. Esses 11%, explica o sociólogo Antônio Lavareda, dono da consultoria
Ao fim do primeiro ano de mandato, o índice de desaprovação cresceu seis pontos percentuais. Em 2004, graças ao primeiro escândalo de corrupção conhecido da Era Lula - o Caso Waldomiro Diniz, que eclodiu em fevereiro -, a popularidade do governo petista na faixa mais rica da população começou a declinar, embora, no fim daquele ano, tenha retornado aos níveis anteriores àquele episódio.
Em 2005, com o surgimento de escândalos em série a partir do mensalão, a classe média tornou-se, pela primeira vez, majoritariamente contrária a Lula. Em dezembro daquele ano, o Datafolha registrou, nesse segmento da população, o maior índice de rejeição desde que o líder petista chegou ao poder - 46%. Já o índice de aprovação nunca tinha chegado a um patamar tão baixo - apenas 18%.
No ano eleitoral, tendo sobrevivido ao mensalão, Lula recuperou apoio popular e reconquistou parte da classe média que andava de mau humor com ele, mas, por causa da crise ética de seu governo e de seu partido, o PT, ele jamais conseguiu recuperar, nesse segmento social, a popularidade do início do mandato. O caos aéreo e o acidente da TAM pioraram novamente a avaliação, mas, segundo pesquisadores de opinião ouvidos pelo Valor, dificilmente essa tendência persistirá.
"O governo, embora tenha demorado, reagiu à crise e nomeou um ministro ativo. Nelson Jobim tem credibilidade, vestiu-se de 'rambo' e saiu pelo país apontando soluções. Ele demitiu o presidente da
Lavareda acha que o empate entre aprovação e rejeição de Lula na classe média é aparente. Na sua avaliação, esse segmento está mais pró-Lula do que se imagina. Ao ler a última pesquisa Datafolha, o sociólogo pernambucano observou que, na classe média, 32% dos entrevistados deram nota abaixo de cinco, numa escala de zero a 10. Do total, 17% deram nota cinco e 52%, entre seis e 10. "Isso mostra que a maior porção da classe média está fazendo uma leitura algo positiva do governo porque seus segmentos mais prejudicados economicamente são minoritários", diz ele, referindo-se a médicos e professores da rede pública e a algumas categorias de assalariados, os mais insatisfeitos, na sua opinião, com a gestão petista.
Diante disso e da popularidade de Lula nas camadas populares, Lavareda, além do diretor-geral do Datafolha, Mauro Paulino, e do dono do Instituto Sensus, Ricardo Guedes, acreditam que a classe média perdeu influência. "A classe média não consegue mais transferir suas opiniões ao restante da sociedade", diz Paulino, ressalvando, no entanto, que a situação do presidente não é confortável - afinal, alega ele, o 1/3 da classe média que o rejeita é o que mais se mobiliza e "faz barulho". "Existe uma parcela da população - 15% do total - que está descontente com o governo. Essa parcela está no topo da pirâmide."
Essa situação explicaria o comportamento crítico da mídia. "Na campanha eleitoral, já havíamos visto a limitação desse discurso, sobretudo da mídia impressa, de conseguir empolgar a maioria da população. A mídia, com esse discurso mais crítico, fica algo descolada da opinião da maioria da população", reconhece Lavareda, associando o sucesso de Lula ao desempenho da economia. "Há certos momentos que são assim. Na Argentina, a economia vai bem, pipocam escândalos e a candidata do presidente, sua mulher, deve ganhar no primeiro turno. Um outro exemplo: nos Estados Unidos, os republicanos, refletindo o clima da mídia, fizeram campanha com base no impeachment de Bill Clinton, nas eleições parlamentares de 1998, e deram com os burros n'água."
"Os analistas estão distanciados da verdadeira percepção da classe média", sustenta Guedes, argumentando que Lula não é um populista como Hugo Chávez, presidente da Venezuela. "Chávez faz um discurso de esquerda e um governo de direita. Com Lula, o Brasil está vivendo um clássico pacto social-democrata."
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