Valorização do mínimo diminuiu desigualdade
Ganho real de 45% em dez anos contribuiu com mais de metade da redução registrada no indicador, diz estudo
Cássia Almeida, jornal O Globo (para assinantes)
Eliana Maria Vidal vende produtos naturais e consegue faturar até R$ 200 por mês trabalhando em casa. Está à procura de emprego com carteira assinada para ganhar R$ 380 mensais, um salário mínimo, dinheiro que vai melhorar as contas domésticas. Para as famílias que rondam essa faixa de renda, foi exatamente isso o que aconteceu nos últimos anos. A valorização do mínimo, que no período de 1995 a 2005 teve um ganho real (acima da inflação) de 45%, contribuiu enormemente para a melhoria da distribuição de renda no país, uma das piores do mundo.
Segundo estudo inédito do diretor do Instituto de Economia da UFRJ, João Saboia, o mínimo foi responsável por 64% da redução do Índice de Gini, medida de desigualdade de renda (que varia de 0 a 1; quanto mais perto de um, mais desigual é o país). Em 1995, esse índice estava em 0,599 em relação à renda domiciliar per capita (a renda total da família dividida pelos membros). Em 2005, baixou para 0,564. Se não fosse a valorização do mínimo, o Gini teria caído apenas para 0,586.
— Há uma tendência de subestimar o benefício do mínimo na redistribuição de renda, afirmando que esse salário não atinge o mais pobre dos pobres, portanto com reflexos menores na redução da desigualdade.
O estudo serviu para medir esse efeito e contrapor esse argumento — explicou Saboia.
Aumento teve pouco efeito na queda da pobreza O economista desconsiderou a valorização do mínimo nas faixas de renda de meio a um salário e meio, levando em conta todos os ganhos: do trabalho principal, das aposentadorias e pensões, além de transferências e juros. Em todas as simulações, o mínimo tem participação decisiva na queda da desigualdade no mercado de trabalho e nas aposentadorias e pensões. Esse efeito só é menos sentido nas transferências, basicamente o Bolsa Família, já que os rendimentos são muito baixos: — O grande efeito recai sobre o mercado de trabalho, que representa 76% da renda das famílias. O que vemos é que o salário mínimo age direto na melhoria da distribuição e, de forma secundária, na redução da pobreza. Já o Bolsa Família tem reflexo direto na pobreza e indireto na distribuição — afirma o professor da UFRJ.
Assim, valorizado, o mínimo passou a ser objeto de desejo, como no caso de Eliana. Casada com quatro filhos — Pablo Luiz, de 11 anos, as gêmeas Pamela e Paula, de 7 anos, e Peterson Luiz, de 4 anos —, ela está à procura de emprego e não de trabalho: — Tinha emprego com carteira assinada numa gráfica, mas o meu filho mais velho adoeceu e não consegui, no emprego, ser liberada para leválo ao médico. Tive que pedir demissão. O mínimo será bem mais do que ganho hoje — explica Eliana.
Mas esse efeito benéfico ficou no passado, de acordo com os estudos do economista Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV). Ele usou indicadores diferentes de Saboia.
Enquanto o economista da UFRJ usou a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), com abrangência nacional, mas com periodicidade anual, Neri lançou mão de dados da Pesquisa Mensal de Emprego (PME), restrita a seis regiões metropolitanas, mas divulgada todo o mês pelo IBGE: — Desde 2004, o mínimo não tem impacto na redistribuição de renda no mercado de trabalho.
Para ele, o grande instrumento de combate à desigualdade é o Bolsa Família. Ele cita o custo fiscal do mínimo, que é o indexador das aposentadorias e pensões do INSS e do benefício de prestação continuada (a concessão de um salário mínimo pela União aos que têm mais de 65 anos ou deficientes com renda familiar per capita) inferior a um quarto de um salário.
— O efeito do aumento do mínimo se dissipou ao longo do tempo, conforme ele foi aumentando de valor. Há conseqüências importantes com aumento da informalidade e do desemprego. Favorecer o miolo da distribuição de renda, com o mínimo, tem um custo fiscal muito alto, o que pode reduzir o crescimento econômico — diz Neri.
Para Saboia, os benefícios nas famílias é claro e a manutenção dessa política de valorização continuará a reduzir a desigualdade.
A fórmula de repor a inflação e dar aumento real de acordo com o crescimento da economia é aprovada por ele.
— O peso do mínimo na redistribuição de renda vem diminuindo, mas ainda é muito importante. Essa fórmula é boa para fugir das oscilações políticas de como vêm sendo tratados os reajustes do mínimo.
Aos 21 anos, Bruno de Oliveira Saturnino trabalha desde os 14 anos, mas nunca viu sua carteira assinada. E um mínimo virá em boa hora, principalmente pela chegada em breve do primeiro filho.
— Quero casar e fazer faculdade de jornalismo: preciso me empregar logo — disse Saturnino, enquanto esperava sua vez na Central de Apoio ao Trabalhador, em São Cristóvão.
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