sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Janela de oportunidades

Nada foi provado com o início do processo no Supremo Tribunal Federal, a não ser a evidência de que o jogo de 2010 não passará mais pelo ex-deputado José Dirceu. E do III Congresso do partido que se inicia hoje pode se esperar tudo menos que o PT dê indicações de que abrirá mão de candidatura à sucessão de Lula. Numa eleição em dois turnos, é na disputa presidencial que ancoram-se as coligações proporcionais e as chapas para a disputa dos governos estaduais. Abrir mão disso equivale a um suicídio político que o partido ainda não deu mostras de estar pronto a sucumbir.

A influência de José Dirceu sobre os rumos do partido poderá ser medida pela quantidade de pessoas que o ex-deputado consegue pôr na rua com seu diagnóstico sobre o julgamento - "O que está em jogo não é apenas minha vida política e minha história, mas o projeto político que o PT e o presidente Lula representam". A Igreja e o MST já tiraram o corpo fora.


Igualmente escassas são as chances de que o julgamento seja posto em questão pelas confidências mais do que públicas do ministro Ricardo Lewandowsky na 'Folha de S.Paulo'. Está claro que o tribunal pautou-se antes pelo imperativo político de responder à impunidade do que sob os ditames do formalismo jurídico.


A abertura de processo na Corte Suprema ainda está por se mostrar suficiente para influenciar os rumos de uma justiça que dá habeas corpus a adolescente que participou da agressão a uma empregada doméstica, mantém salário de um promotor assassino confesso e fica num jogo de prende-solta com os capturados da Polícia Federal.


O procurador e o ministro relator da denúncia acolhida foram escolhidos pelo presidente da República que teve o segundo homem de seu primeiro mandato indiciado. Se essa prova robusta da solidez da democracia pode ser colocada em questão pelo poder de pressão da imprensa, que se busquem os resultados da última pesquisa sobre a imagem dos partidos conduzida pelo próprio PT.


Ao mesmo tempo em que a legenda é considerada a que mais defende os pobres e faz os melhores governos é também aquela de quem se diz ter mais políticos corruptos. Isso não impediu a reeleição do presidente, nem o bom desempenho eleitoral do partido na disputa de 2006, mas pode, sim, comprometer seu futuro quando Lula estiver fora da cédula eleitoral.


É sob esse temor que o indiciamento de Dirceu reacende as expectativas de grupos do PT defensores da renovação da atual direção, que tem resistido a reprovar a adesão do partido às práticas tradicionais da política brasileira.



Indiciamento pode facilitar renovação do partido


Os sinais de esgotamento da atual cúpula partidária ficaram eloquentes no endosso à lulice ninguém-põe-mais-gente-na-rua-do-que-eu. O presidente dá-se ao luxo de bravatas irresponsáveis porque, apesar de ser o maior eleitor de sua sucessão, é candidato a mito em 2010. Ao endossar esse discurso, o partido candidata-se a alijar-se do poder ao lado de José Dirceu.


Um dos nomes que volta a ser cogitado para substituir o atual presidente, Ricardo Berzoini, é ex-governador do Acre, Jorge Vianna. No comando do PT onde o partido está há mais tempo no poder - terceiro mandato no governo do Estado e no comando da prefeitura da capital e da metade das cidades do interior - Vianna diz que o PT está prestes a cair na armadilha de se indispor com a classe média: "Trabalhar pelos excluídos não nos dá o direito de excluir os incluídos".


Vianna vê o PT dominado pelo maniqueísmo: "A gente tem que se reencontrar com os princípios com que conquistamos o Brasil. Eleger a classe média como inimiga não é um deles. O PT conquistou o Brasil numa combinação de princípios com práticas. Hoje sabe que não vai poder se escorar em Lula mas perdeu sua capacidade de reflexão sobre o que fazer"


E diz que o cargo de presidente do PT 'honra qualquer um', mas afirma que nunca foi convidado a participar de uma Executiva do partido. Estará na abertura do Congresso do partido, quando Lula vai discursar, mas não assinou quaisquer das teses em disputa: "Minha tendência é o PT".


Investe no discurso de que para ajudar o partido não precisa estar na direção, mas exibe uma ampla plataforma: "O PT foi construído para enfrentar governos e fazer a luta política. Temos medo e vergonha de ser governo. Não dialogamos com a sociedade. Precisamos criar um ambiente para superar as brigas paroquiais e assumir os erros de ter aderido aos métodos corriqueiros da política no país".


Vianna não vê possibilidade de o PT abrir mão de candidatura em 2010, mas diz que o partido tem que privilegiar seus aliados históricos e disputar na base do a-gente-se-encontra-no-segundo-turno com os candidatos da aliança governista. Diz que o PSDB, se não tropeçar nas próprias pernas, tem grandes chances de estar no 2º turno contra um adversário do campo aliado. E alerta para a necessidade de não se deixar os arranjos eleitorais para a última hora, sob o risco de o partido passar um vexame.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras no Valor

mcristina.fernandes@valor.com.br



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