terça-feira, 21 de agosto de 2007

Com nova lei, Portugal faz 15 abortos por dia

Uma brasileira já se submeteu à operação no país

Ricardo Westin O Estado de São Paulo

Ao longo das últimas cinco semanas, o sistema público de saúde de Portugal realizou uma média de 15 abortos por dia. No total, entre 16 de julho e ontem, 526 mulheres abortaram em hospitais portugueses. Em julho, a interrupção da gravidez deixou de ser ilegal no país. Portugal tem pouco mais de 10 milhões de habitantes - a mesma população da cidade de São Paulo.

A Direção Geral da Saúde, do Ministério da Saúde, informou ao Estado que uma das mulheres que abortaram nesse período era brasileira. Não se sabe, porém, se ela vive em Portugal ou havia viajado ao país por causa do aborto.

Essas são as primeiras estatísticas sobre o aborto em Portugal desde a legalização. Em fevereiro, os portugueses decidiram em referendo que as mulheres passariam a ter a liberdade de interromper a gravidez até a décima semana de gestação.

A lei começou a valer em meados de julho. Até então, o aborto só era permitido nos casos de estupro e de risco à saúde e à vida da mãe ou do bebê. Ná há estimativas oficiais sobre abortos clandestinos até então nem sobre as mortes decorrentes desses procedimentos. Muitas mulheres tinham a opção de viajar para países próximos, como a Espanha, para interromper a gravidez legalmente.

O número do primeiro mês é considerado baixo. O governo previa 20 mil abortos por ano - média de 1,7 mil por mês. “Agosto é mês de férias na Europa. Provavelmente por isso há um atraso nas notificações”, explica o coordenador nacional do Programa de Saúde Reprodutiva, Jorge Branco. “Precisamos esperar pelo menos mais um mês para termos uma idéia clara.”

Mesmo que chegue aos 1,7 mil abortos mensais, o número ainda será baixo diante da demanda, na avaliação de Yolanda Hernández Domínguez, responsável pela Clínica dos Arcos, em Lisboa. “Aqui chegam muitas mulheres querendo interromper a gravidez quando já se passaram mais de dez semanas. Não podemos fazer o aborto nesses casos”, diz. “Seria mais prático se a lei estipulasse um período de 12 semanas.”

O aborto pode ser realizado em duas clínicas privadas - incluindo a Clínica dos Arcos - e em 38 hospitais públicos. O governo paga cerca de 400 (R$ 1.100) por cada cirurgia.

Os médicos portugueses não estão obrigados a fazer aborto. Para isso, precisam alegar “objeção de consciência”. A grávida é então transferida para outro médico ou hospital. Entre o pedido e a realização da operação, a mulher deve esperar ao menos três dias - tempo para refletir se realmente quer deixar de ter o bebê.

Qualquer mulher pode ser atendida em Portugal, mesmo não sendo residente do país. Das 526 que fizeram aborto desde a nova lei, 79 eram estrangeiras.

EM DISCUSSÃO NO BRASIL

No Brasil, a legalização do aborto freqüentemente entra na pauta das discussões públicas. No final de junho houve um acalorado debate entre defensores e críticos numa audiência pública na Câmara dos Deputados.

Um dos principais defensores da legalização é o ministro da Saúde, José Gomes Temporão. “Aborto é questão de saúde pública. A legislação precisa ser mudada”, disse ele recentemente. “Até ali, em torno da 12ª semana, não há (no feto) consciência, sofrimento, dor. Vários especialistas dizem isso.”

Um estudo realizado pela ONG Ipas e pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) revelou que 1,04 milhão de abortos clandestinos são feitos no Brasil por ano, o que representa uma interrupção a cada quatro gestações. Segundo o Ministério da Saúde, pelo menos 200 mulheres morrem por ano em decorrência de abortos.

Os principais críticos da legalização são ligados à Igreja Católica. Segundo eles, a interrupção da gravidez é sempre uma forma de homicídio.

O coordenador do Programa de Saúde Reprodutiva do governo português diz que a permissão dos abortos foi um avanço. “O aborto é uma situação que existe em qualquer país. Portanto, mais vale que seja em situações de segurança para a mulher e sem perseguição da Justiça”, diz Jorge Branco. “Eu conheço a realidade brasileira e acho que, mais tarde ou mais cedo, o Brasil também vai acabar por permitir (o aborto).”

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