sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Por que o pânico avança em câmera lenta?

Floyd Norris *

para O Estado de São Paulo (para assinantes)

Os mercados do século 21 reagem com velocidade alucinante a acontecimentos do outro lado do mundo. Investidores na China podem ver instantaneamente o que acontece em Nova York e fazer operações em Londres com base nas notícias.

Então, por que o pânico de 2007 está se consumando como um desastre de trem em câmera lenta? Uma razão disso é que os envolvidos nunca antes viram algo do gênero. A informação pode chegar instantaneamente, mas o insight demora um pouco mais.

Parecia improvável, se não absurdo, que a economia e o sistema de crédito americanos fossem abalados apenas porque algumas pessoas com histórico ruim de crédito atrasassem o pagamento de suas hipotecas.

Por que isso deveria desaquecer os gastos dos consumidores? Por que deveria afetar empresas que só fizeram empréstimos hipotecários a pessoas com bom histórico de crédito? Por que deveria parar o boom das compras alavancadas? Não faz muito - quatro semanas, para ser exato - Larry Goldstone, presidente da Thornburg Mortgage, administradora de investimentos imobiliários, via o desastre avançar, e isso era bom para sua companhia.

'A crise atual do crédito é o ambiente do mercado hoje', disse ele em videoconferência em 20 de julho, quando as ações de sua empresa superaram U$ 27. 'Os problemas de liquidez no mercado estão criando uma oportunidade muito boa para nós. Isso não é uma grande surpresa.' Da maneira como ele a via, a crise estava abalando seus competidores. Com a saída de cena deles, ele poderia ganhar mais dinheiro.

Em poucos dias, ele comprou 10 mil ações. O presidente e presidente-executivo da empresa, Garrett Thornburg, investiu quase U$ 13 milhões nas ações. Quatro outras pessoas de dentro, incluindo o diretor financeiro, foram compradoras.

Mas, na semana passada, as coisas ficaram arriscadas. A Thornburg Mortgage possuía uma porção de títulos hipotecários classe AAA, e havia captado empréstimos de até 95% do seu valor. Agora, os emprestadores, suspeitando que os títulos não tinham valor, queriam mais dinheiro. Para obtê-lo, Thornburg teve de vender títulos, e poucos queriam comprar.

De repente, o mercado de 'commercial papers', tão disposto a emprestar a Thornburg com pequenas margens há poucas semanas apenas, não se mostrava interessado em emprestar mesmo com taxas bem mais altas. Quanto ao preço das ações, ele entrou em queda livre na terça-feira em meio a rumores de que a empresa poderia não cumprir suas obrigações.

As negociações foram suspensas com a ação valendo menos de U$ 8. Na terça-feira à noite, a empresa admitiu que estava encontrando dificuldades para levantar recursos para financiar hipotecas. Ela comunicou que o dividendo que havia prometido pagar na quarta-feira seria postergado por um mês.

Mas insistiu em que não estava falimentar. Mesmo rebaixando o valor de seus ativos para o valor de mercado corrente, ela disse, ele valia U$ 14,28 a ação na segunda-feira, abaixo dos U$ 19,38 do final de junho. As ações se recuperaram um pouco.

A empresa prosperou até agora com uma fórmula simples. A Thornburg Mortgage pagava grandes dividendos representando sua receita tributável. Ela crescia emitindo mais ações, que podia vender acima do valor nominal porque investidores individuais valorizavam o alto rendimento. As ações acabaram numa porção de contas de aposentadoria, e o fato de as pessoas pagarem mais que o valor nominal permitia que esse valor crescesse.

Os insiders, investidores privilegiados, se aproveitavam disso. A companhia progredia sem revelar a remuneração dos chefes porque era administrada por uma empresa separada pertencente a alguns deles. Essa empresa gestora recebia honorários de incentivo com base no valor nominal e nos lucros de uma maneira parecida com o que acontece com um gestor de fundo de hedge. Com efeito, os chefes recebiam uma comissão toda vez que a empresa vendia ações novas, e continuavam recebendo comissões dessas vendas todos os anos a menos e até que perdessem dinheiro.

Agora a Thornburg e muitas outras companhias precisam de um rápido degelo dos mercados de crédito. Mas, mesmo que consigam - ou que o Fed diga aos bancos para salvá-las com empréstimos de emergência - muitas poderão descobrir que não podem operar com um nível de endividamento tão alto. E sem o endividamento, os lucros serão mais difíceis mesmo que a Thornburg possa cobrar mais por empréstimos hipotecários.

A série infeliz de eventos que nos trouxe aqui começou com um desaquecimento do mercado imobiliário. Isso tornou alguns donos de hipotecas inadimplentes, o que levantou dúvidas sobre o valor de títulos hipotecários e a credibilidade das classificações que permitiam a venda dos títulos. Isso causou o questionamento de outras securitizações, o que tornou mais difícil captar recursos. Agora, tudo isso parece estar respingando na economia real, provocando o nervosismo dos consumidores.

'Estamos vivendo uma situação psicológica. Ela coloca todo o mundo em pânico', disse Goldstone. 'Não há nada de fundamental nisso.' Ele pode estar errado sobre esta última parte. Pode não ter havido nenhuma mudança fundamental na saúde do seu negócio, mas uma mudança está ocorrendo nos mercados de crédito. Ali, os compradores com dinheiro são poucos, e muitos deles não estão com nenhuma pressa de comprar quando tantos precisam vender.

É uma espécie de jogo das cadeiras em que a música pára e as cadeiras desapareceram.

*Floyd Norris escreve para o 'Internacional Herald Tribune'

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