Refrescando a memória do Estadão
Ontem o jornal O Estado de São Paulo publicou uma peça de ficção publicitária anunciando o programa "Bolsa - Aluguel", inspirado em Nova York, da Administração Kassab. Ignorando que o programa já existia e foi criado por Marta Suplicy, o jornal passava sobre silêncio que ele tinha sido fechado pelos atuais ocupantes da Prefeitura. (ver Administração Kassab, com ajuda do Estadão, vai até New York para descobrir o que a Marta já fez ).
A seguir reproduzimos uma reportagem dos aspirantes a jornalistas da Folha de São Paulo sobre este tema publicado em 8 de dezembro de 2006. A diferença entre peça publicitária e jornalismo salta aos olhos.
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08/12/2006
Fim de programa habitacional força vai-e-vem por SP
Término do Bolsa Aluguel em 2007 e acesso difícil a ações do poder público cria "novos nômades" à busca de casa
Moradora chega a se mudar uma vez a cada um ano e meio; proprietário reclama de atrasos e de não receber bolsas de dezembro de 2004
BÁRBARA CASTRO
ESTÊVÃO BERTONI
DA EQUIPE DE TREINAMENTO
Os 30 meses do Bolsa Aluguel estão no fim. Com a decisão da Prefeitura de São Paulo de abandonar o programa assim que a última bolsa vencer, no primeiro semestre de 2007, as 1.387 famílias beneficiadas hoje temem retomar uma antiga rotina: perambular pela cidade atrás de um novo teto.
Renato Stockler - 2.dez.2006/Folha Imagem |
VIZINHANÇA HISTÓRICA Ivanete de Araújo no corredor do prédio em que mora no Brás; o local abriga outras pessoas que recebem o benefício e fica próximo ao edifício São Vito, que pressionou votação do programa |
Das 12 pessoas atendidas pelo programa ouvidas pela Folha, todas disseram não ter condições de pagar aluguel. Sem local onde morar, vão engrossar os índices do déficit habitacional da cidade, hoje de 509 mil casas, segundo a CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo).
Em outubro deste ano, com o fim dos 30 meses de bolsa, Ivanete de Araújo pensou que voltaria a morar na rua. Desempregada, divorciada e mãe de três filhos, ela só permaneceu sob o mesmo teto graças à decisão da prefeitura de estender o programa por mais 120 dias.
Esses quase três anos foram os primeiros em que a ex-bóia-fria conseguiu morar em São Paulo sem dividir o mesmo espaço com outras pessoas, desde que chegou à cidade, em 1989.
Já viveu como agregada no subsolo de uma oficina mecânica, passou por quatro cortiços (um na Vila Guarani e três na Aclimação) e decidiu se juntar ao movimento dos sem-teto quando se viu com os filhos debaixo do viaduto Glicério. "Eu não agüentava mais morar na rua. Ali, se você não for esperto, não sobrevive", diz.
Habitou também dois prédios que foram reapropriados e, depois de ser despejada com outros sem-teto de um edifício na rua Ana Cintra, chegou a passar um tempo em uma garagem emprestada. Foi de lá que ela saiu para morar no Brás, em um apartamento pago com os recursos do Bolsa Aluguel.
Julia Moraes - 25.nov.2006/Folha Imagem |
SEM CASA COM A CAUSA GANHA A diarista Merabi Pereira de Santana na rua do abrigo provisório onde mora, no Canindé; mesmo com a garantia judicial, ela não consegue alugar um apartamento utilizando o Bolsa Aluguel |
Em fevereiro, quando vence o prazo do programa, Ivanete deverá se mudar pela 11ª vez em 18 anos. Sua esperança é ganhar na Justiça o direito de morar novamente no prédio da Ana Cintra, reformado pela CDHU.
"Nem que eu tenha que catar latinha para chegar à renda que eles pedem", diz.
Mas ganhar na Justiça pode não significar a conquista de um teto. Desde janeiro deste ano, a diarista Merabi Pereira de Santana carrega na bolsa a garantia judicial que obriga a prefeitura a lhe pagar, mensalmente, o benefício.
Em outubro de 2004, ela assinou o contrato para receber a ajuda. Em janeiro de 2005, alugou um apartamento, mas quando tentou usar a bolsa, a Cohab (Companhia Metropolitana de Habitação) se recusou a cumprir o acordo. Resultado: endividou-se com o proprietário.
Depois de entrar com uma ação na Justiça, Merabi teve o direito à bolsa garantido, mas não conseguiu alugar um apartamento, pois a prefeitura parou de oferecer garantias de fiador às imobiliárias, como três meses de aluguel adiantado.
Passados mais de dois anos, Merabi, já em sua 5ª casa, vive hoje em uma moradia provisória no Canindé. "Eles [prefeitura] dizem que vão te dar uma cama no albergue, comida de albergue, e de preferência lá na periferia; e você vai ficar escondida, porque, para eles, você não tem condições de ser um cidadão, de ter autonomia", diz.
Bruno Miranda - 27.nov.2006 |
VILA DOS IDOSOS A aposentada Jandira Ferreira da Silva na sala de sua quitinete, na av. Ipiranga, centro de São Paulo; com o fim da bolsa, ela tem esperança de ser encaminhada para uma vila de idosos |
Para o secretário municipal de Habitação, Orlando de Almeida Filho, as moradias provisórias seriam uma opção viável para quem vai deixar de receber a bolsa e não tem condições de pagar um aluguel, como no caso da aposentada Jandira Ferreira da Silva, 73.
Sustentada por dois salários mínimos, ela mora em uma quitinete na av. Ipiranga, no bairro da República. Como o valor da bolsa é menor do que o do aluguel, Jandira tira do próprio bolso o que falta e paga R$ 50 de condomínio, que considera caro.
Sem filhos ou parentes que possam ajudá-la, não faz idéia para onde possa ir. "Com minha aposentadoria, ou eu como ou eu pago aluguel. Estou procurando lugar para trabalhar, mas, com 73 anos, ninguém me aceita", diz.
Com o fim próximo da bolsa (vence em março de 2007), a auxiliar de serviços Darci de Oliveira considera o trabalho extra a única saída para conseguir saldar os aluguéis. Para pagar as contas e sustentar o filho estudante, de 18 anos, e o pai, aposentado e deficiente visual, de 92 anos, Darci vende cosméticos fora do expediente.
"Estou até procurando um trabalho noturno, no período entre 18h e 1h, não me importo de trabalhar, o importante para mim é poder garantir as despesas básicas", diz.
Bolsas atrasadas
As reclamações sobre o Bolsa Aluguel não partem apenas de quem está prestes a perder o benefício. Proprietário de um edifício na alameda Barão de Piracicaba, no centro de São Paulo, José Mário Guilherme diz que a Cohab não pagou os aluguéis de dezembro de 2004.
"A prefeitura não pagou dezembro e descontou o valor da bolsa-calção, que é a fiança", diz. Outra reclamação diz respeito às últimas parcelas que venceram. Com 35 inquilinos recebendo a bolsa, José Mário diz que a Cohab só pagou, no último mês, 31 aluguéis, e com atraso. "O aluguel vence no dia dois de novembro e o pagamento só caiu no dia 29", conta.
Procurada pela Folha entre os dias 5 e 7 de dezembro, a Cohab não respondeu sobre as queixas dos beneficiários.
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