Pesquisadores sociais alertam: Bope do 'Tropa de elite' não é a solução contra o crime
RIO - Os "caveiras", policiais militares que atuam no Batalhão de Operações Especiais (Bope), ganharam status de heróis com o filme "Tropa de elite", do diretor José Padilha. No longa-metragem, o Bope é apresentado como uma polícia incorruptível, criada exclusivamente para combater o tráfico de drogas no Rio de Janeiro. O jornal "Washington Post" publicou uma reportagem, nesta segunda-feira, afirmando que o filme levantou no Brasil a discussão sobre a violência do Rio. O longa-metragem também foi debatido por dois "caveiras" originais (veja vídeos) , no GLOBO ONLINE. O filme chegou a ser acusado de fazer apologia à tortura . Mas até que ponto criar uma tropa de elite é eficaz no combate ao tráfico?
" Segurança pública é muito mais do que repressão "
O GLOBO ONLINE perguntou aos internautas em que tipo de polícia se deve investir para combater o crime com eficácia ( veja resultado da pesquisa ). Para 53% dos 2.415 participantes, é preciso fortalecer cada vez mais essa polícia de confronto, preparando todos os policiais para se tornarem "caveiras". Outros 38% acham que é preciso aplicar mais recursos de inteligência na polícia. E apenas 9% acreditam que o mais eficaz é investir mais em policiamento comunitário.
O antropólogo da UFRJ Gilberto Velho, autor do livro "Rio de Janeiro: cultura, política e conflito", adivinhou a alternativa preferida da maioria dos leitores sem conhecer o resultado. Segundo ele, não é difícil concluir que uma população aterrorizada por uma guerra sinta falta de combate ostensivo. Ele, no entanto, alerta:
- Segurança pública é muito mais do que repressão. Temos que ter cuidado com isso, porque o Bope, embora tenha atuação importante, não pode ser a concepção do que é polícia. A solução seria alguma coisa próxima da junção entre as duas alternativas menos votadas.
O resultado da enquete também não surpreendeu o sociólogo Ignácio Cano. Para ele, a segurança pública é hoje uma grande preocupação da sociedade carioca e, por isso, já era esperada essa reação.
- As pessoas acham que violência se combate com violência. Poucos acreditam em um investimento em policiamento comunitário por isso - disse, ressaltando que é preciso considerar que, nesse tipo de enquete, normalmente quem responde são as pessoas mais mobilizadas.
O pobre, a maior vítima da violênciaO sociólogo acredita que essa não é a solução para o combate ao tráfico. Para ele, por ser um batalhão especial, ele perderia o sentido se todos se tornassem 'caveiras':
- É como se você defendesse que todos os médicos deveriam ser neurocirurgiões. Essa é uma especialização da polícia.
Gilberto Velho sinaliza a saída para os problemas de segurança pública na direção dos investimentos sociais e garante que uma não pode ser separada da outra.
" A guerra tem início, meio e fim. O que a gente vive não tem fim "
- Os locais em que há maior nível de violência da cidade não contam com nenhuma assistência. Não têm saúde, educação, infra-estrutura. O pobre é a maior vítima da violência, que, na maioria das vezes, ocorre ao lado dele. Não dá para falar em segurança sem abordar o aspecto social - completou Velho.
Diferentemente do colega da UFRJ, o professor Cano não vê a situação da violência que o Rio vive hoje como uma guerra. Para ele, uma guerra tem objetivos definidos, além de dois lados estruturados, o que não acontece na cidade.
- A guerra tem início meio e fim, o que a gente vive hoje não tem fim. Quando um bandido morre, ele é simplesmente substituído. Isso não acaba. Além disso, você não tem dois lados bem estruturados, com objetivos políticos. Aqui, os objetivos são os lucros individuais - afirmou.
O antropólogo Gilberto Velho lembra, porém, que, na prática, o cenário carioca tem diversos pontos em comum com um conflito bélico tradicional - em número de mortos, presente no toque de recolher existente em diversas favelas e nas paisagens das áreas mais violentas parecidas com as do Iraque.
Para Cano, a melhor solução para o combate ao tráfico seria promover uma mudança na relação com as comunidades. Além disso, seria preciso acabar com essa doutrina que o Bope segue hoje, com um treinamento militar, de combate violento.
Partidário da necessidade de mudanças em algumas esferas da administração pública, como na gestão policial e na aplicação de políticas sociais, Gilberto Velho também critica a passividade da sociedade.
- Falta participação dos cidadãos. A gente consegue reunir 1 milhão de pessoas num show do Rolling Stones, mas não leva 300 para a frente do Palácio Guanabara para protestar contra o governo do estado - finaliza.
Nenhum comentário:
Postar um comentário