domingo, 28 de outubro de 2007

Outra vez orgulhosos, argentinos votam para consagrar Kirchners

Cristina Fernandez de Kirchner votou em Rio Gallegos
Gratos por recuperação econômica, eleitores do interior e das classes mais baixas deve eleger Cristina presidente

Ariel Palacios e Roberto Lameirinhas, BUENOS AIRES

Os argentinos vão hoje às urnas para - a confirmar-se a quase totalidade das pesquisas - assegurar a continuidade do governo do presidente Néstor Kirchner. Desta vez, por intermédio da mulher dele, a senadora Cristina Fernández de Kirchner.

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Embalado principalmente pelo apoio do interior - onde programas assistenciais do governo ajudaram a recuperar a economia após os anos de aperto fiscal de Carlos Menem e Fernando de la Rúa -, o casal Kirchner resistiu às denúncias de corrupção e à escalada da inflação. Assim, Cristina deve obter entre 41% e 49% dos votos. Pela legislação argentina, ela precisa de pelo menos 40% para vencer já no primeiro turno, caso tenha uma vantagem de mais de 10 pontos porcentuais sobre o segundo colocado.

A segunda no páreo é a centro-esquerdista Elisa Carrió, candidata da Coalizão Cívica, que tem entre 16% e quase 22% das intenções de voto. Nos últimos dias, Carrió apelou aos indecisos (que na semana passada oscilavam entre 7% e 18%) para dar uma virada e levar o governo a um segundo turno. Nunca na história argentina duas mulheres lideraram as pesquisas presidenciais.

Ao Estado, Elisa disse que ainda mantém esperança de que Cristina não chegue aos 40%. 'As pesquisas mostram que a maioria da população, mais de 50%, quer a vitória da oposição', afirmou. 'Ela é Golias, eu sou Davi.'

Vinte e sete milhões de argentinos estão inscritos para a eleição de hoje, que definirão também o vice-presidente, a metade dos ocupantes da Câmara dos Deputados, um terço dos senadores e 8 dos 23 governadores provinciais, além de centenas de deputados locais e intendentes (prefeitos). Os candidatos kirchneristas são favoritos em praticamente todas essas disputas.

Kirchner assumiu a presidência em 2003, quando 57% dos argentinos viviam mergulhados na faixa de pobreza. Depois de declarar a suspensão unilateral do pagamento de parcelas da dívida externa, vender títulos da dívida para a Venezuela de Hugo Chávez, promover a retomada do crescimento do país e investir pesado nos programas sociais destinados à população mais pobre, Kirchner conseguiu reduzir o índice de pobreza para 27%, em 2006. Durante seu mandato, o país tem crescido em média 8% por ano. Em 2002, o salário mensal médio dos 10% mais pobres era de 109 pesos (US$ 34); hoje é de 337 (pouco mais de US$ 110).

A oposição contesta alguns números, como o da inflação. Oficialmente, o índice acumulado neste ano até setembro é de 9%. Mas consultorias privadas estimam a inflação real em torno de 20%. Independentemente da controvérsia, os resultados econômicos garantem a popularidade do presidente.

Segundo as pesquisas, Cristina tem vantagem esmagadora no interior do país e nas classes baixa, média-baixa e média - esta última, recuperada da ruína da crise de 2001-2002. O país, que contava com 14 moedas paralelas emitidas pelas províncias, sem lastro nenhum, atualmente utiliza somente a moeda federal, o peso.

APATIA

A apatia marcou a campanha eleitoral - que na Argentina é feita com poucos comícios, publicidade paga na TV e nenhum debate entre candidatos. Uma pesquisa da consultoria Delfos indica que a abstenção pode ser de até 30%.

Esse seria o nível mais baixo de participação desde o retorno da democracia, em 1983. Naquele ano, 86% dos eleitores votaram. Na eleição passada, em 2003, votaram 78% dos eleitores.

Os analistas afirmam que a falta de interesse se deve à pouca diferença de propostas entre Cristina e os candidatos da oposição. Os opositores estão de acordo com os principais pontos da política econômica e apenas sugerem 'correções' no rumo.

A campanha kirchnerista usa a imagem de Cristina e o slogan 'sabemos o que falta e sabemos como fazer'. Nos táxis, bares e barbearias de Buenos Aires - tradicionais locais de discussões políticas -, o humor ácido dos portenhos não resiste à pergunta: 'Se ela sabe, por que não contou para o marido?'

A verdade é que a auto-estima dos argentinos renasceu. Kirchner, com esperteza, explorou esse fator na reta final da campanha.

O analista Carlos Fara indica que Kirchner é favorecido pela mudança do ânimo dos argentinos em relação ao país e suas vidas pessoais. Kirchner também se aproveitou do cenário de uma oposição fragmentada, sem estímulo e imersa em lutas de egos entre seus líderes (ler mais na pág. 19).

O sociólogo Artemio López, diretor da consultoria de opinião pública Equis, destaca que Kirchner foi eleito em 2003 com 22% dos votos. Em 2005, na eleição parlamentar de meio de mandato, os candidatos kirchneristas obtiveram 39% do total de votos do país. López afirma que uma eventual votação de mais de 40% indicaria que os Kirchners estão aumentando e consolidando gradualmente um eleitorado fiel.

DENÚNCIAS

Diversas ONGs denunciaram sexta-feira a presença de nomes de pessoas mortas em listas de eleitores em todo o país. Entre elas, desaparecidos da ditadura (1976-83), além de soldados mortos em combate na Guerra das Malvinas (1982).


GLOSSÁRIO DAS URNAS

El Pingüino:
O Pingüim, apelido de Kirchner em alusão a sua região natal, a Patagônia

La Pingüina: Apelido de Cristina Kirchner

Rainha Cristina: Outro apelido da primeira-dama, pela pose considerada arrogante e tom autoritário

'Es too much': Expressão em 'spanglish' usada por Cristina para 'ah, não, isso é demais!'

Inferno e Purgatório: Metáfora referente à 'Divina Comédia', de Dante, normalmente utilizada por Kirchner. Segundo ele, a Argentina está saindo do 'Inferno' da crise e aproxima-se do 'Purgatório'

La Gorda: Apelido de Elisa Carrió, líder da centro-esquerdista Coalizão Cívica

El Pálido: Apelido do ex-ministro Roberto Lavagna, líder do partido Uma Nação Avançada

El Sillón de Rivadavia: A poltrona de Rivadavia, denominação da cadeira presidencial. É sinônimo de 'Presidência da República'. O nome remete a Bernardino Rivadavia, primeiro presidente argentino

Casa Rosada: Nome da sede do governo, que a partir de 1860 começou a ser pintada de cor-de-rosa. Segundo uma versão, a cor era o resultado do branco e do vermelho, que representavam as duas facções da guerra civil que se seguiu à independência. Outra versão diz que o rosa resultou da mistura de sangue de boi e cal, forma barata de pintar o prédio. A terceira diz que, na época, o rosa era a cor da moda na arquitetura

Radicais-K: Integrantes da União Cívica Radical, rival histórica do peronismo, que se alinharam a Kirchner - como o vice de Cristina, Julio Cobos

Coima: Suborno preparado, organizado


PESQUISA

46,7%

dos eleitores devem votar em Cristina Kirchner, segundo pesquisa do instituto
Poliarquia

21,8%
do eleitorado devem apoiar Elisa Carrió

14,3%
dos eleitores devem optar por Roberto Lavagna

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