Uma casa em transição
JOAQUIM LEVY - Folha de São Paulo
Surge o novo papel do FMI. Os países desenvolvidos não podem por si controlar novos fluxos de capital e seus efeitos |
O FMI está mudando. Alguns acreditam que, talvez porque o mundo não esteja em crise, a instituição teria perdido seu valor. Essa leitura é superficial. O que há é uma nova distribuição de pesos relativos entre os membros do FMI.
O FMI já ajustou seu papel várias vezes. Depois da Segunda Guerra, ele ajudou a minimizar crises nos países europeus. Nos anos 1980, ele participou da administração da crise da dívida externa da América Latina, depois que os EUA botaram o pé no freio da política monetária para quebrar a estagflação dos anos 1970 e desmontaram a reciclagem dos petrodólares. Nos anos 1990, Michel Camdessus colocou o FMI no centro do processo de integração dos países ex-comunistas no mundo capitalista e encaixou o Fundo na virada da Ásia e na globalização.
É esse fenômeno que está impulsionando a reforma do FMI. De um lado, os juros baixos por conta da produção barata ao redor do mundo diminuíram a influência imediata do FMI entre os países emergentes. Do outro, o acúmulo de reservas internacionais na Ásia redesenhou o panorama das finanças internacionais, o que foi exacerbado pelo surgimento recente dos fundos de investimento soberano.
Já há dezenas desses veículos criados para investir reservas internacionais em ativos variados, sob administração dos grandes bancos. Com eles, surgiu a possibilidade de vastos recursos serem rapidamente transferidos de, por exemplo, títulos públicos americanos para as Bolsas ou outros ativos reais, o que poderia mexer nas taxas de câmbio e nos preços dos ativos em dólar.
É aí que surge o novo papel do FMI. Os países desenvolvidos não podem por si controlar esses fluxos de capital e seus efeitos: a ambivalência do governo britânico nessa área é indicativa da complexidade do problema. Mas o FMI, por ser multilateral, pode ter um papel regulador e arrefecer apreensões -cujas conseqüências nas expectativas de inflação nos EUA poderiam ter um impacto terrível no crescimento mundial.
Para o FMI ter esse papel, no entanto, ele precisa mudar sua governança. Por isso, o novo administrador geral já assinalou que vai trabalhar para um reequilíbrio de forças na instituição. As mudanças podem ser mais ou menos ambiciosas e -não obstante menções benignas ao Brasil- serão duramente negociadas, mesmo que as acomodações se dêem sem estridência.
A influência de cada país no novo FMI vai depender do sucesso dos respectivos dirigentes econômicos em aproveitar suas vantagens comparativas. A credibilidade que o Brasil construiu -e a capacidade de mostrar que o Fundo pode ser um parceiro eficiente no continente são muito reconhecidas entre os países-membros, tendo obtido expressão física e concreta. O compromisso do Brasil com uma economia de mercado e aberta e a evidência de que essa opção de desenvolvimento é viável também explicam por que ano passado o Brasil conseguiu ser escolhido líder do grupo técnico que agrega os 20 principais membros do Fundo.
A agenda do Brasil inclui, além de aumentar a cota do país no capital do FMI, a promoção de uma competição equilibrada nos serviços financeiros no mundo e a implementação de mecanismos eficientes de proteção contra choques externos -como os acordos preventivos propugnados pelo governo Lula desde 2004. Essa é uma agenda para favorecer o comércio internacional, o fortalecimento de nossas empresas e a expansão das nossas exportações, todos fatores importantes para o bem-estar do país.
JOAQUIM LEVY , 46, é secretário de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro. Foi secretário do Tesouro Nacional no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva e vice-presidente de Finanças e Administração do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento).
Nenhum comentário:
Postar um comentário