domingo, 21 de outubro de 2007

O governador Nascimento ou o capitão Cabral?

OPINIÃO

WÁLTER FANGANIELLO MAIEROVITCH
ESPECIAL PARA A FOLHA DE SÃO PAULO

O governador Sérgio Cabral, com as operações de guerra realizadas nas favelas da Coréia, Rocinha e Dona Marta, legitimou-se para poder pedir ao governo George W. Bush uma "boa-grana" para lançar o "Plan Rio de Janeiro". Algo da série "Plan Colombia" e do recentíssimo "Plan México", dos presidentes Calderon (México) e Bush.
Se faltava sangue, morte de uma criança e helicóptero para matar covardemente suspeitos em fuga, depois da Operação Bope na favela da Coréia tudo ficou completo. Ou melhor, os requisitos básicos foram atendidos para a política bélica do governo Sérgio Cabral adequar-se à "War on Drugs" (Guerra às Drogas). Esta iniciada pelo então presidente Richard Nixon, de triste memória.
A Guerra às Drogas, que emprega o confronto para matar "inimigos", foi ampliada pelo então presidente Ronald Reagan.
Coube a Reagan globalizar a "War on Drugs", pois declarou combate bélico em qualquer ponto do planeta. Como se sabe, queria mesmo um pretexto para invadir países, a fim de combater o comunismo. Na "War on Drugs", que os presidentes pós Nixon, democratas ou republicanos, mantêm até hoje, entraram de cabeça vários ditadores.
Alguns até para "lavar" os indícios de aliados do narcotráfico, como o presidente Hugo Banzer na Bolívia e Noriega no Panamá. E a relação é grande. Por exemplo, a dupla formada pelo ex-presidente Alberto Fujimori e pela eminência parda da ditadura, Wladimiro Montesinos, ex-agente da CIA. Ambos estão presos no Peru. Ainda passa pelos presidentes colombianos Andrés Pastrana e Álvaro Uribe.
Dentro e fora dos Estados Unidos, a militarização do combate às drogas e ao crime organizado que opera o tráfico, a chamada "War on Drugs", faliu. Os norte-americanos são campeões mundiais de consumo de drogas ilícitas.
Apesar do alerta inserto na Convenção de Viena de 1980, pelos sistemas bancário e financeiro internacionais, o mercado das drogas proibidas continua a movimentar anualmente cerca de US$ 300 bilhões.
A operação do Bope na favela da Coréia, com a morte de 15 pessoas, incluídos um menino de quatro anos e um policial, foi uma outra irresponsabilidade do governador Cabral, agora a encarnar o papel de capitão Nascimento.
Mais uma vez, civis inocentes, favelados e pobres, ficaram no meio do fogo-cruzado. E as autoridades fluminenses afirmaram que a ação foi planejada. Como se percebeu, ela foi projetada para a população ficar em risco, entre policiais e traficantes. Traficantes do bando de um tal Márcio da Silva Lima, apelidado de Tola, que, pelo jeito, não está entre os mortos suspeitos de integrar o bando que tem controle social e territorial da Coréia. Para o governo do Rio de Janeiro, antes do confronto foram realizados trabalhos de inteligência. Seguramente, uma inteligência-burra.
Modernamente, a inteligência, no combate às drogas -que é um dos rentáveis negócios da criminalidade organizada-, ocorre pela infiltração voltada a afetar a economia movimentada. Para isso, o infiltrado oferece vantagens à organização criminosa: lavagem, reciclagem, ampliação de lucros, drogas em consignação, armas potentes etc.
Como tais propostas de vantagens dependem sempre da aprovação do "chefão", abre- se caminho para o contato e a coleta de informações. Outra medida utilizada é desplugar o bando das redes de oferta de drogas no atacado e de armas.
Enfim, existem vários caminhos engenhosos em países que, em respeito a direitos humanos e à eficiência no contraste ao crime, não aceitam a fracassada e enganosa política da "War on Drugs".
A "War o Drugs", no momento, só é útil em dois casos. Primeiro, para tentar legitimar o presidente mexicano Calderon, que desde o primeiro dia de mandato guerreia com os cartéis das drogas, sem sucesso e muitas mortes. Segundo, governos populistas, que faturam politicamente em ações espetaculares e de resultados lamentáveis.


WÁLTER FANGANIELLO MAIEROVITCH, 60, desembargador aposentado, ex-secretário nacional antidrogas (governo FHC) e presidente do Instituto Brasileiro Giovanni Falcone de contraste às máfias

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