segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Governo Lula: País tem ciclo mais longo de crescimento em 30 anos

Sergio Lamucci
Valor

Julio Bittencourt/Valor
Alexandre Schwartsman, ex-diretor do BC: ajuda das contas externas

O Brasil cresce há 22 trimestres consecutivos. Mesmo não sendo muito extenso, é o ciclo mais longo de expansão do Produto Interno Bruto (PIB) pelo menos desde o início dos anos 80. Ele supera os 15 trimestres registrados entre 1984 e 1987, e os 12 que ocorreram entre 1993 e 1995, período turbinado pelo Plano Real. Por enquanto, o ciclo perde para o milagre dos anos 70, embora falte ao país uma única série de PIB capaz de olhar a evolução trimestral em prazos mais dilatados.


Além de longo para padrões brasileiros, o atual ciclo tem outra boa característica: ele combina investimento e consumo. As empresas têm investido em ampliação da capacidade produtiva há 14 trimestres e o aumento simultâneo de crédito, renda e emprego tem permitido às famílias manter seu consumo em alta há 15 trimestres - em todos os casos, na comparação com o mesmo trimestre do ano anterior.


É essa tripla combinação de PIB em alta, ampliação da capacidade produtiva e expansão da demanda interna - amparada por contas externas sólidas e inflação sob controle - que faz os analistas estimarem que esse ciclo pode se sustentar por muitos mais trimestres, ainda que o ritmo do crescimento esteja aquém do obtido por colegas emergentes como China e Índia.


O investimento em alta firme é a característica mais celebrada do atual ciclo de crescimento, como aponta o economista Juan Jensen, da Tendências Consultoria Integrada. O aumento deve ficar próximo de 10% neste ano, seguindo-se ao avanço de 8,7% de 2006. Para o ex-diretor do Banco Central (BC) Alexandre Schwartsman, economista-chefe para a América Latina do ABN AMRO, a queda consistente dos juros reais, num cenário de inflação mais baixa e controlada, é fundamental para explicar o crescimento do investimento na construção civil e em máquinas e equipamentos.


Depois de passar anos muito acima dos 10%, os juros reais (descontada a inflação) estão na casa de 7%. Projetos que não eram viáveis com juros reais de 13% ou 14% se tornam atrativos quando a taxa cai pela metade. "Houve aumento significativo da previsibilidade no país", diz o economista Bráulio Borges, da LCA Consultores. Com a expectativa de inflação tranqüila e expansão firme da demanda por muito tempo, as empresas ganharam confiança para apostar na ampliação da capacidade produtiva.


Ainda que seja vista como excessivamente rigorosa por vários analistas, a política monetária teve papel importante na tarefa de alongar os horizontes de planejamento na economia de 2002 para cá, por ajudar a derrubar a inflação e manter sob controle as expectativas inflacionárias. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que atingiu 12,3% em 2002, deve fechar 2007 na casa de 3,9%.


Schwartsman destaca a virada espetacular nas contas externas como um dos pontos que conferem mais sustentabilidade ao atual ciclo de crescimento. "O balanço de pagamentos deixou de ser um problema. A demanda doméstica e as importações podem aumentar com força, sem prejuízo para as contas externas", resume ele.


O resultado em conta corrente, que mostrou um déficit de 4,5% do PIB em 2001, se tornou superavitário a partir de 2003, e atualmente está na casa de 1% do PIB, graças principalmente aos saldos comerciais superiores a US$ 40 bilhões por ano. O cenário externo benigno, com crescimento expressivo da economia global e baixa aversão ao risco, foi decisivo nesse processo. "Em agosto, os preços das exportações brasileiras estavam 65% acima da média de 2002", nota Schwartsman.


Ao exportar mais, o país pôde passar a importar mais, permitindo que a demanda interna cresça com força sem pressionar a inflação, como diz Jensen. Outra boa notícia é que as importações de bens de capital estão entre as que mais crescem, sustentando a ampliação da capacidade produtiva das empresas. De janeiro a agosto, aumentaram 33%.


O consumo das famílias também mostra um bom desempenho, impulsionado em grande parte pela expansão impressionante do crédito. Com juros menores e prazos cada vez maiores, o total de empréstimos e financiamentos acumula alta de 24,8% nos 12 meses até agosto, mantendo um ritmo forte mesmo depois do crescimento anual na casa de 20% registrado entre 2004 e 2006.


Para o economista-chefe do Morgan Stanley, Marcelo Carvalho, há espaço para o crédito continuar a crescer nesse ritmo nos próximos anos. Ele diz que, com a consolidação da estabilidade macroeconômica, os prazos puderam aumentar significativamente. "Há financiamento de automóveis de sete anos e empréstimos imobiliários de 30", reforça Borges.


Carvalho lembra que os juros dos empréstimos, ainda que elevados, estão em queda. Para completar, houve inovações institucionais importantes, como a do crédito com desconto em folha de pagamento e as relacionadas aos financiamentos imobiliários, caso da alienação fiduciária (medida que permite a retomada do imóvel em caso de inadimplência). "O papel do crédito no atual ciclo de crescimento é muito importante", diz Carvalho.


Borges ressalta ainda o aumento consistente do emprego e da renda para sustentar a expansão de 15 trimestres consecutivos do consumo das famílias. Segundo cálculos da Tendências, a massa salarial real (descontada a inflação) está em alta, no acumulado em 12 meses, desde abril de 2004. Para este ano, a expectativa é de um crescimento entre 5,5% e 6%. Os trabalhadores se sentem mais seguros para consumir e entrar em empréstimos e financiamentos. Outro ponto positivo do atual ciclo é que a indústria voltou a dar sinais de vitalidade, estimulada pelo desempenho do mercado interno.


O economista Alexandre Mathias, diretor de renda fixa da Unibanco Asset Management (UAM), diz que o atual ciclo rompeu com o padrão de arrancadas e freadas que predominou a partir de 1980 porque foram corrigidos ou atenuados os principais problemas macroeconômicos do país. "Nos ciclos anteriores, o próprio crescimento acentuava os desequilíbrios externos, inflacionários ou fiscais, o que levava a crises. Desta vez, o quadro é diferente." Se ainda há muito o que avançar, não parece haver nenhum risco iminente de que a fase atual de expansão seja detida no médio prazo, avalia Mathias.

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