Algo melhorou
Celso Ming
O Estado de São Paulo (para assinantes)
Para melhorar de vida, as pessoas são capazes de tudo. Na versão do dramaturgo inglês Christopher Marlowe (século 16), o Doutor Fausto, símbolo do homem, vendeu a alma ao Diabo em troca de três coisas: comer até fartar-se, vestir roupas finas e voar entre as estrelas.
Mas Fausto quase nunca valoriza o que já obteve. Tem uma enorme propensão a lamentar-se por ainda não ter conseguido tudo. Por isso é preciso lembrá-lo de quanto progrediu.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) faz o inventário anual da trajetória do Fausto brasileiro. O levantamento de 2006 mostra notórios avanços, embora sempre se possa dizer que nenhum dos grandes objetivos originais esteja perto de ser alcançado. Comparado com o padrão da Dinamarca, de onde acaba de sair o presidente Lula, o brasileiro continua subalimentado; ainda se veste mal e porcamente; e só mesmo em sonhos e nas novelas de TV se sente voando entre as estrelas. Mas já não dá para sustentar que os resultados da Pnad não passam de propaganda do governo.
Em 2006, o poder aquisitivo do trabalhador brasileiro aumentou 7,2%. O rendimento médio por família (domicílio) passou de R$ 1.494 em 2004, para R$ 1.687. Só no ano passado, cresceu 7,6%. E pormenor importante: foram os mais pobres que melhoraram mais. Isso tem sim a ver com o reajuste do salário mínimo, que foi de 16,7% no ano passado. Mas esse avanço só foi possível graças à derrubada da inflação.
Um notável número de economistas brasileiros que se dizem identificados com as causas dos mais pobres sustenta que é preciso ser tolerante com inflação para beneficiar o crescimento econômico. Fazer o contrário, dizem eles, é fazer o jogo dos neoliberais e dos “rendeiros”, os que vivem de aplicações de capital. Não lhes entra na cabeça que a primeira e principal vítima da inflação são os mais pobres, que não têm defesa contra a desvalorização da moeda. E que o melhor que se pode fazer para ajudar na vida do povão é garantir a estabilidade.
A novidade é que os políticos parecem ter entendido isso mais rapidamente do que esses economistas. Vai ficando claro - não só para o presidente Lula - que não há melhor cabo eleitoral do que uma política econômica vitoriosa no controle da inflação.
Outra revelação da Pnad é a de que, só em 2006, cresceu 4,7% o número de trabalhadores com carteira de trabalho assinada. De cada 5 novos empregos, 3 foram no mercado formal, com inevitável impacto positivo para as contas da Previdência Social.
Há outros progressos: queda do analfabetismo, melhora do nível de educação, redução do trabalho infantil, etc. Em compensação, a população está ficando mais velha, a taxa de fecundidade está caindo e isso traz problemas novos. Está cada vez mais perto, por exemplo, o dia em que será preciso ter menos escolas e mais lares para os velhinhos.
Convém pinçar mais dois dados de impacto. Em 2005, 71,8% dos domicílios tinham telefone; em 2006, já eram 78,8%. Em 2001, só 12,6% dos lares contavam com computador; no ano passado, já eram 22,4%. São passos importantes para o brasileiro que não abre mão de um dia poder voar entre as estrelas.
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