sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Ascensão e queda de Condoleezza

The Economist, publicado pela revista Eu&, do jornal Valor (para assinantes)

É difícil acreditar agora, mas até a primavera de 2005 (segundo trimestre no Hemisfério Norte), Condoleezza Rice era tida como uma possível candidata à Presidência dos Estados Unidos. Ela havia sido nomeada secretária de Estado, em substituição a Colin Powell, no começo do segundo mandato de George W. Bush, e uma viagem pelo planeta estava correndo bem. Em Paris, o embaixador francês para os EUA observou que "todos estavam determinados a se apaixonar" por ela, que provocou surpresa em Wiesbaden ao aparecer em público com botas de couro de cano alto (à altura do joelho). Seu porta-voz chegou a ponto de alimentar especulações sobre uma possível candidatura ao plantar o assunto junto a um jornalista.

AP

A estrela de Condoleezza, que subiu tão rápido, caiu de volta na obscuridade, e o motivo é fácil de ser percebido para qualquer um que ler estas duas biografias: "Twice as Good: Condoleezza Rice and Her Path to Power", de Marcus Mabry (Rodale, 362 págs., US$27,50) e "The Confidante: Condoleezza Rice and the Creation of the Bush Legacy", de Glenn Kessler (St. Martin's Press, 304 págs., US$ 25,95). Como secretária de Estado, na maioria das vezes não conseguiu lidar com uma teia de problemas que ela própria ajudou a criar quando estava se transformando em uma conselheira de segurança nacional notadamente fraca. Visionário, Powell disse sobre o Iraque: "Se você o subjugar, passará a ser dono dele." Isso pode muito bem servir como epitáfio à carreira de Condoleezza no topo das esferas formuladoras de política dos Estados Unidos.

Dos dois livros, o de Mabry é o mais completo; uma biografia em grande escala cobrindo a vida de Rice da infância na violenta e segregacionista Birmingham, no Alabama, até os dias atuais. Ele tirou o título de seu livro de uma frase que era sempre dita na família dela, a de como negro americano era preciso ser "duas vezes bom" para vencer na vida, ainda mais no caso das mulheres. Mesmo assim, muita coisa do que ele relata carrega isso. Condoleezza cresceu na cidade que na época pode muito bem ter sido a mais racista dos EUA; ela ouviu e sentiu a explosão do atentado de supremacistas brancos à Sixteenth Street Baptist Church em 1963. Sua família, porém, se mudou para o Colorado, mais tolerante, quando ela tinha 12 anos. Lá, seu pai rapidamente subiu à posição de administrador-sênior da Universidade de Denver.


O começo da carreira de Condoleezza - primeiro para uma vaga na mesma universidade, depois para Stanford e daí para o Conselho de Segurança Nacional em Washington, voltando depois para Stanford para se tornar diretora aos 38 anos - mostra portas se abrindo prontamente. Mabry não produz nada sugerindo que ela teve de ser "duas vezes melhor" para conseguir tudo isso.


Sua maior oportunidade surgiu em 2000, quando o candidato George W. Bush a escolheu para auxiliá-lo na política externa, assunto sobre o qual ele admitia não conhecer quase nada. Mabry mostra muito desse entrosamento instantâneo entre essas duas pessoas muito diferentes, uma mulher muito culta e o bagunceiro arrependido, embora não consiga explicar totalmente isso. Condoleezza chegou a descrever o candidato como dono de uma "mente incrivelmente curiosa". Mais tarde, Bush a descreveria como "a mulher mais poderosa da história mundial".


O que torna um mistério como ela trabalhou tão mal para ele. O consultor de segurança nacional tem como dever coordenar a formulação da política externa dos EUA. Mesmo assim, Condoleeza parecia nesse cargo completamente incapaz de resolver as muitas disputas entre o secretário da Defesa, Donald Rumsfeld, e o secretário de Estado, Colin Powell. Mesmo sem isso, seria impossível não atribuir a ela grande parte da culpa pelos erros cometidos no Iraque. Se ela percebeu que os EUA estavam enviando um número muito pequeno de soldados e tivesse rejeitado todo o planejamento pós-guerra, deveria ter dito ao presidente: ele a ouvia e ela tinha acesso a ele. Se não percebeu, deveria ter percebido.


Mabry discorre detalhadamente sobre a incapacidade de Condoleezza de admitir seus erros. Essa qualidade de inapetência também se estende à sua recusa em aceitar qualquer parcela de culpa na não-antecipação dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001. O livro apresenta evidências em abundância dos alertas que foram repetidamente enviados a ela pela CIA (um dos sucessos pouco alardeados da agência) e sua incapacidade de levá-los a sério. Ele observa que Condoleezza parecia não ter a menor idéia sobre a força do terrorismo em geral.


Já o livro de Glenn Kessler se concentra nos dois primeiros anos de Condoleezza Rice como secretária de Estado e sua fracassada tentativa de relançar a política externa americana. É um relato fascinante de como a diplomacia é conduzida de perto


Kessler dá o devido crédito à inteligência e energia de Condoleezza. Mas sua conclusão clara é de que a maioria dos problemas que ela tentou resolver estava além de sua capacidade. Ele critica os limites do que a equipe de Condoleezza chama de "idealismo prático"; para Kessler, o termo não faz sentido. A campanha de Condoleezza pela democracia no Oriente Médio é especialmente criticada: quando as eleições trazem resultados embaraçosos, como no Líbano e na Palestina, o instinto dela é simplesmente tratar os resultados como aberrações, ignorando as próprias palavras sobre democracia. A administração desistiu há muito de tentar promover sociedades mais livres na Arábia Saudita e no Egito, ambos aliados americanos. Os esforços para impedir o Irã de se transformar em uma potência nuclear também deram em nada e a guerra no Iraque ainda está longe de uma solução.


É possível, conclui Kessler, que algum historiador do futuro venha a enxergar Condoleezza de uma maneira mais favorável. Mas, com seu atual emprego chegando ao fim, as possibilidades não parecem boas.

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