sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Mala tempora currunt



Leio, fascinado, um artigo de João Mellão na página 2 de O Estado de S.Paulo de hoje. Orgulha-se de pertencer a uma elite, esclarece que elite significa a nata em cada setor da sociedade, nega, não sem veemência, a dicotomia bom povo-elite má, forjada pela obsessão esquerdista. E assim por diante.

Quero deixar claro que este post não é resposta, apenas uma oportunidade para meditar. Pensamentos esparsos, sem maiores propósitos de revelar a verdade. Por exemplo. Aceito o pensamento de João Mellão, e reconheço a presença de uma elite do futebol. Na qual milita o ex-presidente do Corinthians, Alberto Dualib.

Não seria elite que manda no seu rincão, graúdo ou miúdo? E este Brasil, grande, notavelmente dotado pela natureza, vocacionado para ser bem sucedido, não deve à sua elite o fato de estar tão mal das pernas? Ou por que entregaram o ouro ao bandido, ou por que eles próprios, os componentes da elite, cuidaram da bandidagem.

Os povos são todos iguais, o que mudam são as circunstâncias. As nossas foram criadas por quem? Pelos predadores iniciais e, ao surgir a oportunidade, pelos predadores nativos.

E o povo, que tem a ver com isso? Os indígenas foram sistematicamente enganados e dizimados. Não eram tão bons de trabalho, e então vieram os africanos, imigrados, digamos assim, debaixo do sibilar do chicote, e os sinais da escravidão ainda estão presentes. Hoje a maioria é mestiça, e este é o povo brasileiro. Que esperar dele? Que faça por conta própria a revolução?

A elite nativa sempre apostou na cordura e na resignação do povo. Sergio Buarque de Hollanda chamava-a, ironicamente, de cordialidade. João Mellão, aplicado representante da elite paulistana em outros tempos definida como quatrocentona, rejeita a dicotomia elite-povo. Difícil escapar a ela, impossível mesmo, sobretudo em um país como o Brasil, tão desigual, um dos mais desiguais do mundo, seus rivais são Nigéria, Serra Leoa, e outros do mesmo porte.

Quando da Revolução Francesa, inequivocamente burguesa, incumbiram-se os burgueses de empurrar o povo à Tomada da Bastilha. Os insufladores e organizadores da revolta, pela qual hoje ninguém se queixa, estavam fartos (cansados?) de sofrer as conseqüências da prepotência aristocrática e eclesiástica. Na França dos fins de 1700 os iluministas eram farol nas trevas, mas o país vivia no caos. Falta de autoridade de um lado, miséria e criminalidade do outro. Os nossos burguesotes provincianos estão cansados da miséria e d criminalidade, na qualidade de manifestações populares, e apavorados pela possibilidade de que o povo comece a dar o ar de sua graça. Os burgueses daquela França eram, no mínimo, mais espertos.

Alguma mudança está no ar, e é isso que agita a chamada elite à qual Mellão orgulha-se de pertencer. Lula é o primeiro sintoma da mudança. Não estou a analisar o governo atual, de muitos pontos de vista me decepciona, mas o que me parece enxergar transcende a decepção. As vitórias de Lula em 2002 e 2006 me dizem que algo mudou. O povo não se incomoda se o seu candidato está de gravata e terno escuro, formou-se em alguma faculdade e sabe mais de um idioma, e a mídia perde seu tempo na tentativa de propor o tipo perfeito. A mídia, instrumento afiado a serviço da elite, não chega mais.

Mala tempora currunt
, diria meu pai, Giannino. Para a elite. A qual, além do mais, não sei que características haveria de ter em um país onde apenas 5 por cento da população ganha de 800 reais mensais para cima. Enquanto 0,01 por cento são nababos, andam de helicóptero e Ferrari, moram em castelos, exibem-se o tempo inteiro nas colunas sociais e escondem-se em suas vivendas cercadas por muralhas mais compactas do que as da Roma imperial.

O povo não costuma ser bom por natureza. Pelo contrário, a miséria e a indigência são caldo de cultura da ignorância, da violência, da criminalidade. Tais as condições do povo, tão humilhado e espezinhado a ponto de se contentar com o auxilio familiar de escassos reais distribuído pelo governo Lula.

Já se definiu a plebe como rude e ignara. De verdade, a definição cabe à perfeição para qualificar a elite brasileira. Quem se orgulha de fazer parte dela, deveria dar-se ao respeito.

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