The Economist, de Santiago
Jornal Valor
Apesar de uma transição para a democracia e do rápido crescimento econômico, os chilenos queixaram-se muito ao longo dos últimos 20 anos - mas discretamente. Muitos sentiram-se decepcionados pelos termos segundo os quais o general Augusto Pinochet deixou o poder, em 1990: o ditador permaneceu no comando do Exército por oito anos; mas as queixas foram emudecidas pelo alívio com a volta da democracia. Muitos também ficaram desapontados com o fato de a coalizão de centro-esquerda, chamada Concertación, que está no poder desde 1990, ter mantido as políticas de livre mercado da ditadura; mas esse desapontamento foi moderado pela prosperidade e melhorias nos serviços resultantes dessas políticas.
As queixas contidas, começaram, de repente, a ser verbalizadas ruidosamente. No ano passado, animados pela promessa de Michelle Bachelet, presidente do Chile desde março de 2006, de praticar um governo democrático mais "participativo", alunos de escolas secundárias foram às ruas para exigir melhor ensino, no maior dos protestos desde a década de 80. Com o preço do cobre - principal produto exportado pelo país - em níveis recordes, e a economia crescendo 6% neste ano, também os trabalhadores estão protestando. |
Até recentemente, greves eram relativamente raras no Chile. No ano passado, porém, mineiros de Escondida, a maior mina de cobre do mundo, conquistaram um aumento substancial de salários, após greve de um mês. Neste ano, houve paralisações no setor de reflorestamento e uma greve de 36 dias por trabalhadores subcontratados pela Codelco, a empresa estatal produtora de cobre. |
"Os trabalhadores vêm um país que está crescendo e companhias que estão indo bem, e ficam cansados de esperar", explica Arturo Martínez, presidente da Central Unitária de Trabajadores (CUT), a principal confederação sindical chilena. Os sindicatos criticam a distribuição desigual de renda no país. Uma pesquisa governamental, no ano passado, descobriu que quase 1 milhão de trabalhadores, ou 15% do total, estava ganhando menos do que o salário mínimo estipulado na legislação - pouco mais de US$ 200 por mês. |
Em vista da forte queda do desemprego, as exigências salariais não são de surpreender. Elas são também estimuladas pelo Partido Comunista. A essas cobranças somam-se críticas ao descumprimento, pelo governo, de uma promessa de campanha, a de promover uma reforma num sistema eleitoral deixado intacto pela ditadura, que torna quase impossível aos partidos pequenos (como o próprio PC) conquistar assentos no Congresso. |
Líderes sindicais dizem que o país está à beira de uma conflagração social. Sem dúvida, as recentes greves e manifestações foram incomumente violentas, assim como um dia nacional de protesto convocado, entre outros, pela CUT e pelo Partido Comunista, em 29 de agosto. |
Essa iniciativa ganhou o apoio de alguns políticos da Concertación, que passaram a protestar contra o "neoliberalismo" de seu próprio governo. Eles são contrários a uma rígida política fiscal segundo a qual grande parte do ganho extraordinário resultante do preço do cobre está sendo poupado para o futuro. Isso permitirá que o governo disponha dos recursos para safar-se de uma eventual recessão futura. |
Mais que uma grande inflexão ideológica, o descontentamento reflete uma mudança nas relações trabalhistas. Os trabalhadores estão mais conscientes de seus direitos e querem que estes sejam respeitados, diz um administrador sênior na Codelco. |
Uma questão contestada é a subcontratação de trabalhadores. Isso contribuiu para manter as exportações competitivas, mas em alguns setores têm sido usadas como um meio de formar um contingente de mão-de-obra remunerado com baixos salários sob contratos de curto prazo. |
Uma nova lei procura coibir o uso indevido da subcontratação. No mês passado, o governo constituiu uma comissão para analisar mudanças mais abrangentes nas legislação trabalhista. "Não fomos condenados a ver pobreza e desigualdade e simplesmente ficar esperando que o crescimento e uma gradual propagação da riqueza se encarregue de acabar com os problemas", afirmou Bachelet recentemente. O governo também quer constituir tribunais especiais para julgar queixas de trabalhadores e pretende fortalecer o seguro-desemprego. |
A estabilidade econômica, política e social desde 1990 foi crucial para atrair os investimentos, tanto nacionais como estrangeiros, que asseguraram rápido crescimento econômico. Em conseqüência, o Chile é um país muito mais rico: a renda per capita é de quase US$ 9 mil, contra apenas US$ 2,4 mil em 1990. Neste estágio de seu desenvolvimento, mais investimento de capital e melhor ensino fariam crescer a produtividade e, portanto, os salários, num círculo virtuoso. |
Há grande margem para melhorias de produtividade. A atividade de reflorestamento é cinco vezes mais intensiva em mão-de-obra do que, por exemplo, na Escandinávia. Mas melhorias no ensino levam tempo. E, como alternativa a investimentos de capital, as empresas chilenas podem importar mão-de-obra barata de vizinhos mais pobres, como o Peru e a Bolívia, assinala Rosanna Costa, do Libertad y Desarrollo, um instituto de estudos conservador. Isso está acontecendo em atividades mal remuneradas em setores como a construção civil e a agricultura. |
Os chilenos estão rompendo os grilhões mentais impostos pela ditadura. O processo foi acelerado pela morte de Pinochet, em dezembro passado. Mas a liberdade política gerou impaciência nas demandas por uma participação mais justa na divisão dos frutos do crescimento. Bachelet revelou-se menos inclinada do que seus predecessores em praticar a bem-sucedida receita do Concertación - liberalismo econômico combinado com políticas sociais redistributivas. |
Apesar disso, parece improvável que o Chile dê uma guinada rumo ao populismo. Com a crescente prosperidade vieram os financiamentos de casas próprias e dívidas no cartão de crédito. Esses são "os novos grilhões dos trabalhadores", queixa-se Martínez. São também um sinal de que a maioria dos chilenos hoje têm interesse na estabilidade.
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