sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Eleitorado quer mais Estado e menos mercado

Por Alberto Carlos Almeida - Valor (para assinantes)

Há muitas evidências do caráter estatizante do eleitorado brasileiro. Quem não se lembra das manifestações de rua, muitas na frente da Bolsa de Valores do Rio, contrárias aos leilões de privatização? Não se tratava, ali, de uma simples minoria, mas sim de uma minoria militante e aguerrida que representava, de certa maneira, uma maioria silenciosa para qual o Estado tem papel fundamental no provimento de bens e serviços.


É assim que 51% dos brasileiros acham que o sistema bancário deva ser estatal. Imaginem-se os maiores bancos brasileiros controlados pelo governo. Meu Deus, algo completamente absurdo! Porém, se essa decisão fosse deixada na mão do eleitorado, em particular do eleitorado de baixa escolaridade, é possível que o nosso sistema bancário fosse bem menos privado e muito mais estatal.




Cheque em branco


Alguns vão indagar por que, se o eleitorado é tão estatizante, durante o governo Fernando Henrique foram realizadas tantas privatizações. A razão é que o eleitorado passou um cheque em branco, como em geral ele faz com qualquer governo, para que Fernando Henrique provesse bem-estar e melhoria do poder de compra. O raciocínio era simples e direto: "votei no governo para controlar a inflação, o que melhora muito a minha vida; assim, mesmo que ele faça coisas com as quais discordo, como privatizar, eu ainda assim apóio o governo." Veja-se, o apoio é condicional ao bom desempenho da economia.


No meu livro "A Cabeça do Brasileiro" eu abordo de forma detalhada em dois capítulos inteiros esta tendência majoritária de nossa sociedade: querer o Estado para produzir, regular e gerar bem-estar, mais Estado e menos mercado. É curioso perceber que esse aspecto do livro esteja sendo muito pouco debatido. Será que isso não merece atenção pública? Será que não é relevante saber que quanto menos escolarizada a pessoa, quanto mais pobre ela é, maior é a tendência de que ela queira mais Estado e menos mercado?


Símbolos nacionais


Não cabe aqui assumir uma posição intervencionista ou a favor do laissez-faire, mas apenas mostrar que os governantes brasileiros fazem, em grande medida, aquilo que o eleitorado espera que façam. A decisão de privatizar ou estatizar não depende apenas da opinião pública. Ela é muito relevante, porém, quando se trata de grandes símbolos nacionais. Melhor dizendo, antes disso, para que uma empresa estatal se torne um símbolo nacional é preciso que grande parte da sociedade apóie o controle estatal de muitas atividades econômicas.


É por isso que a Petrobras, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal são símbolos nacionais de suma importância para o povo. É também por isso que nenhuma força política brasileira se arriscaria, em sã consciência, a defender seriamente a privatização dessas empresas. A título de exemplo, veja-se o recente episódio que fez o ministro da Saúde recuar em sua defesa do aborto. Por que ele fez isso? Porque nossa população é majoritariamente anti-aborto. Caso ele continuasse insistindo na defesa da legalização do aborto, estaria pondo em risco sua permanência no cargo. Tudo isso para dizer o quê? Que a opinião pública importa.


Alberto Carlos Almeida, diretor de Planejamento da Ipsos Public Affairs e autor de "A Cabeça do Brasileiro" (Record).


E-mail: alberto.almeida@ipsos.com.br

Nenhum comentário: