terça-feira, 25 de setembro de 2007

Hillary Clinton e a saúde americana

Por Clive Crook Financial Times

Jornal Valor

Desde o início, a campanha de Hillary Clinton à Presidência teve três grandes problemas. Em primeiro lugar, grande parte do país a achava fria e mandona. Em segundo, seu marido poderia envolver-se em algum novo escândalo e causar-lhe embaraços. Terceiro, as pessoas lembravam de seu empenho pela reforma do sistema de saúde no início da década de 90.

O primeiro problema está se dissipando: ela sorri e ouve - e isso parece estar dando certo. Embora não haja muito o que possa fazer sobre o segundo, até agora, tudo vai bem: a campanha explora o magnetismo do ex-presidente, mas o mantém a distância. Na semana passada, Hillary lidou decisivamente com o terceiro obstáculo, apresentando em um novo plano para o sistema de saúde pública que é tanto bom em sua substância como politicamente brilhante.

Em 1993, seu plano foi, sem dúvida, ousado. Pretendia reinventar o sistema público de saúde americano a partir de suas bases. Havia sido analisado profundamente e não era, de modo algum, considerados os seus méritos teóricos, uma proposta estúpida. Mas politicamente o plano beirava o insano. A proposta ignorava o fato de que a maioria dos americanos estava contente com seus planos de saúde, e dizia às pessoas que, apesar disso, teriam de se acostumar a um sistema inteiramente novo gerenciado pelo governo. Seguradoras e outros grupos de interesse fizeram grande pressões contra o plano, mas a maioria dos americanos praticamente não precisou persuadida. O plano sequer chegou a ser submetido a votação.



O novo American Health Choices Plan (Plano Americano de Opções para a Saúde) de Hillary promete às pessoas satisfeitas com seu seguro que poderão continuar com ele. Tranqüilizar as pessoas é a sua base. O objetivo central da cobertura universal é, então, alcançado combinando um direito individual - todo mundo precisa ter um plano de saúde - com incentivos para os empregadores assegurarem a cobertura de seus empregados, novas regras para as seguradoras e planos de saúde subsidiados para os que ganham salários baixos.

Grandes empresas que preferirem não proporcionar um seguro saúde a seus trabalhadores teriam de pagar um imposto. Pequenas empresas, muitas das quais atualmente não oferecem cobertura de saúde, seriam subsidiadas para oferecer tais planos. As pessoas também poderiam arcar com os custos de seus próprios planos de saúde, escolhidos de um elenco de esquemas privados atualmente oferecidos a funcionários do governo, ou então aderir a um novo esquema público semelhante ao Medicare (o programa público para americanos idosos).

Os assalariados com baixos salários receberiam uma restituição do imposto de renda para abater do custo de seus seguros saúde, assegurando assim que seus custos líquidos não superem determinado percentual de sua renda. As seguradoras seriam proibidas de negar cobertura de saúde com base em histórico médico, ou de cobrar "grandes ágios" por razões de idade, sexo ou ocupação. Quando as pessoas mudassem de empregador, poderiam levar seus planos de saúde consigo.

A reforma é semelhante aos planos já anunciados por John Edwards e Barack Obama, que disputam com Hillary a indicação pelos democratas, mas é melhor aos planos concorrentes em aspectos substanciais. E mais simpático para com as pequenas empresas do que o plano Edwards (as pequenas empresas foram particularmente ferozes adversárias do primeiro plano de Hillary) e mais contido em sua retórica antiempresas de saúde. E é mais radical do que o plano de Obama, ao insistir na obrigatoriedade da cobertura individual - prometendo, assim, cobertura quase universal. Avançando à esquerda de Obama, Hillary ultrapassou-o, como também seu discurso tem soado mais pragmático e simpático ao setor privado do que o de Edwards.

O plano tem muito em comum também com as reformas de Mitt Romney como governador de Massachusetts - um esquema pelo qual o aspirante presidencial republicano mostra-se relutante em assumir crédito, para não causar contrariedade aos conservadores. Mas não é plausível que ele venha a atacar o novo plano de Hillary, e os outros candidatos republicanos não são mais convincentes. Num sinal de desespero, eles estão ainda denunciando o plano "Hillarycare" original - mas este novo esquema obviamente é outra coisa.

Os grupos de pressão representantes das empresas poderão até mesmo apoiá-lo. De todo modo, não irão unir-se contra o esquema. As seguradoras serão contrárias às novas restrições e à ameaça de concorrência por parte do novo plano público, mas não ficarão de mãos vazias. A obrigatoriedade universal lhes proporcionará novas adesões de pessoas com baixo risco. E as operadoras de planos de saúde ponderarão: se não for assim, qual seria a alternativa? Para as operadoras, poderia ser muito pior.

A proposta de Hillary parece muito mais vantajosa do que o atual sistema disfuncional e foi formulada inteligentemente com vistas a receber máximo apoio. Entretanto, o plano de Hillary é incompleto em um aspecto crucial: controle de custos. Ela estima um dispêndio adicional em torno de US$ 100 bilhões por ano, a ser financiado em parte mediante pela não renovação dos cortes de impostos com que o governo Bush beneficiou os americanos mais ricos, e em parte por economias resultantes de "modernização e maior eficiência".

A segunda parte pode ser otimista (como a experiência de Massachusetts está começando a sugerir), mas há também um aspecto mais fundamental. O degrau incremental no custeio necessário para implementar a cobertura universal de saúde é uma coisa; a tendência de longo prazo de custos de saúde - em forte ascensão - é outra coisa. Que solução os EUA encontrarão para isso?

Quando o governo é de fato um comprador de serviços, como acontece com o Medicare e com o novo esquema estatal defendido por Hillary, pode tentar baixar diretamente os custos. Segundo o modelo de Hillary, se não houver uma contenção excessiva dos benefícios concedidos pelo plano estatal, as pessoas poderão migrar para o programa público, mais barato. Isso, por sua vez, exerceria pressões para que as empresas privadas prestadoras de serviços de saúde contivessem seus custos. Tudo depende de como o novo programa público - e o Medicare junto com ele - for financiado e gerenciado.

A nova opção pública é, em si mesma, uma grande mudança, mas, para bem ou para mal, poderá moldar o futuro do sistema de saúde americano inteiro. Em última instância, Hillary poderá acabar realizando a revolução que desejava.

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