sábado, 15 de setembro de 2007

'Estabilidade ajudou a reduzir desigualdade'

Para professor da PUC-Rio, houve uma melhora muito importante nos últimos cinco anos, que agora tende a diminuir

Irany Tereza

O Estado de São Paulo (para assinantes)

Especialista em mercado de trabalho, o economista José Márcio Camargo, da PUC-Rio e sócio da Consultoria Tendências, avalia que o principal avanço detectado pela Pnad foi justamente no campo do trabalho, com o aumento da renda e a queda do desemprego. Mas para ele é de se esperar que a redução da concentração de renda passe a ocorrer de uma forma menos intensa no Brasil a partir de agora. O principal salto ocorreu, argumenta, quando a estabilização econômica devolveu parte do poder aquisitivo à camada mais pobre da população. Apesar dos avanços na redução da desigualdade, 71,5% dos trabalhadores brasileiros ainda se situavam na faixa de rendimento de até dois salários mínimos, revelou a Pnad de 2006. “A economia já é estável e não vai afetar a desigualdade como antes”, diz o professor, Ph.D em Economia pela Massachusetts Institute of Technology (MIT).

Qual a sua avaliação da Pnad?

Os dados são todos muito bons. Mostram uma melhora significativa tanto na renda quanto no nível educacional, redução na taxa de desemprego. Apresenta um cenário de mercado de trabalho muito bom, comparado aos anos anteriores. Há várias razões para isso. Uma das mais importantes é o fato de a economia estar crescendo já há algum tempo a uma taxa relativamente alta, se comparada com o passado. Há outras razões institucionais, como algumas reformas que foram feitas no passado recente; a questão do banco de horas; o crédito consignado. Tudo isso é muito importante para reduzir o custo e aumentar o benefício da formalização, que está, conseqüentemente, aumentando. Por fim, outro aspecto fundamental é a estabilidade. Ter uma economia com baixas taxas de inflação e, nesse período, com taxa de inflação decrescente, tende a gerar ganho de renda para os trabalhadores mais pobres. E está muito claro (pela Pnad) que os mais pobres ganharam mais do que os outros.

À exceção do Nordeste, onde a metade mais bem remunerada teve também ganho expressivo. Por quê, na sua opinião?


Há duas coisas importantes. A primeira é que o Nordeste entrou numa trajetória de desenvolvimento do turismo ligado principalmente à Europa que certamente deve dinamizar a renda de toda a população e não só dos mais pobres. A segunda é a questão dos programas de transferência de renda, com impacto sobre os mais pobres. Mas acho que o turismo no Nordeste pode ter sido fator extremamente importante para aumentar a renda média da população como um todo. E isso é interessante: o Brasil fez uma série de projetos de desenvolvimento do Nordeste baseado na industrialização da região. Nunca deu certo. Agora, temos uma situação na qual o Nordeste está explorando sua vantagem comparativa, que é a beleza natural, suas praias, seu tipo de mão-de-obra. E parece que está dando certo, sem grandes incentivos da parte do governo, sem nenhuma Sudene para subsidiar esses investimentos.

O sr. avalia que houve ou não perda de ritmo na queda da desigualdade?

Não se sabe, ainda. Não está muito claro se houve ou não queda de ritmo. Agora, as informações preliminares que temos para 2006 e 2007 tendem a mostrar que o ritmo de melhora está diminuindo. O que era esperado, afinal de contas houve uma melhora muito importante nos últimos cinco anos e eu não esperaria que se sustentasse esse ritmo por muito tempo. O que se espera é que a desigualdade vá diminuindo ao longo do tempo, mas a um ritmo mais compatível com mudanças em uma economia mais estável. A estabilização foi um dos fatores que reduziram muito a desigualdade. Agora a economia já está estável, então a estabilização não vai mais afetar a desigualdade, a menos que a inflação piore.

Na opinião do sr., o ganho no rendimento real se repete em 2007?

Acho que teremos ainda um ganho substancial nos rendimentos em 2007. Se não igual, pelo menos parecido ao de 2006. Não apenas por causa do salário mínimo, mas porque o nível de emprego está aumentando bastante, como mostra a elevação da população ocupada.

Os dados sobre Previdência são suficientes para indicar um caminho para a estabilização do déficit?

Há algo errado num país onde só 50% dos trabalhadores contribuem para a Previdência (de acordo com os dados da Pnad , em 2006 não efetuavam contribuição previdenciária 51,2% dos trabalhadores). Há alguma coisa errada no sistema de previdência social brasileiro. Precisamos saber o quê. Existe uma série de diagnósticos que precisam ser analisados. O que está claro é que alguém está pagando para os outros 50%.

O que o sr. destacaria como principais pontos positivos e negativos no resultado da Pnad?

Os pontos positivos mais importantes são o aumento de renda e a queda na taxa de desemprego. Os pontos negativos são o ainda baixo nível de escolaridade da população, ainda que esteja aumentando, e o nível relativamente alto de trabalho infantil, principalmente nas regiões mais pobres. Ainda são mais de 5 milhões de crianças trabalhando.

Quem é: José Márcio Camargo

É professor de economia da PUC-Rio especializado em mercado de trabalho e sócio da Consultoria Tendências.

Prestou consultoria a entidades como Banco Mundial e OIT.

Concluiu em 1977 doutorado em economia pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).

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