domingo, 2 de setembro de 2007

Política econômica igual?

Amir Khair

O Estado de São Paulo (para assinantes)

O sucesso da atual política econômica é atribuído por vários analistas à continuidade da política do governo anterior baseada no tripé: austeridade fiscal, câmbio flutuante e metas de inflação. Será?

Creio que não. O modelo adotado no governo FHC, embora objetivasse usar esse tripé, atuou através de privatizações e taxas de juros elevadas, procurando atrair o capital externo como motor dos investimentos e crescimento da economia. Não estimulou o consumo. Ao contrário, buscou contê-lo com taxas de juros duas vezes maiores do que as atuais, para não ameaçar as metas de inflação, afinal não cumpridas, na maior parte do período.

O governo atual inverteu essa tendência, fazendo do estímulo ao consumo o carro-chefe para o crescimento, por intermédio de aumentos do salário mínimo, políticas de transferências de renda e criação de empréstimos consignados. Com essas medidas cresceu o emprego formal (carteira assinada) e a massa salarial. Em decorrência, as receitas da Previdência Social batem recordes sucessivos superando desde 2006 o crescimento das despesas com benefícios, apesar dos fortes reajustes no salário mínimo.

A política de comércio exterior do governo anterior priorizou os países desenvolvidos. A atual, os emergentes que apresentam taxas de crescimento elevadas e são carentes em commodities, nas quais temos posições estratégicas.

Caso essa mudança não tivesse ocorrido, a crise americana traria efeitos perversos sobre nós. Ainda em relação à política externa, o atual governo fortaleceu as reservas internacionais, que passaram de US$ 37 bilhões no final de 2002, quando se encerrou o governo FHC, para US$ 160 bilhões, e se livrou das amarras do FMI, que condicionava a política econômica às suas diretrizes.

Quanto à austeridade fiscal, seus dois principais termômetros tiveram comportamentos bem diversos nos dois governos. O primeiro deles é o resultado nominal (receitas menos despesas inclusive juros), que passou de um déficit de 9,4% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2002 para 2,1% em junho último. O segundo, que é a dívida líquida do setor público em relação ao PIB, após cair continuamente desde 1984, quando atingiu 58% do PIB, até 28% em 1995, inverteu essa trajetória para alcançar 51% em 2002. Atualmente está em 44%, com tendência de queda.

Os resultados fiscais do atual governo foram obtidos por causa da manutenção de superávits primários - receitas menos despesas, exclusive juros - que foram elevados para compensar a pesada conta de juros, que nos últimos dez anos representou em média 8,0% do PIB, a maior despesa do setor público.

A outra perna do tripé da política econômica, que é a política de câmbio flutuante, iniciada em 1999, deixou de existir a partir de 2006, quando o Banco Central passou a interferir no mercado através de compras maciças de dólares, na tentativa de colocar limites às quedas contínuas do valor da moeda americana.

Outros fatores podem ser objeto de comparação entre as duas orientações econômicas. No governo anterior foram criadas agências reguladoras independentes da política oficial, visando a atrair investimentos de longo prazo no processo de privatizações. Atualmente, o papel dos Ministérios está fortalecido no caso de conflitos com as agências, que devem se subordinar à política econômica, o que trouxe uma retração nesses investimentos. As privatizações foram praticamente suspensas e fortalecidas as ações das estatais remanescentes.

Por outro lado, o crédito ao produtor rural foi ampliado substancialmente, passando de R$ 2 bilhões para R$ 12 bilhões o investimento no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf).

Todavia, persistem nos dois períodos traços preocupantes. Trata-se da ampliação da carga tributária e do aumento de despesas públicas. E são desconhecidas as medidas de modernização e racionalização administrativa em curso.

Continuamos reféns de uma política monetária com altas taxas de juros, elevados depósitos compulsórios dos bancos ao Banco Central, elevados spreads bancários (diferença entre as taxas de juros dos empréstimos e das captações), baixos investimentos na infra-estrutura e logística, ampliação da burocracia, pouco investimento em meio ambiente e saneamento básico.

Parte desses problemas pode ter solução a curto e a médio prazos. O crescimento econômico está ocorrendo em bases mais sólidas e sustentáveis. Os fundamentos econômicos melhoraram, a parte externa está saneada e as contas públicas caminham para o equilíbrio em 2009 em razão da manutenção de superávits primários elevados e de redução da conta de juros pela queda da Selic. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) deverá ganhar impulso a partir de 2008 e pode melhorar a infra-estrutura e a logística. A política monetária tende a perder força em face da contenção dos preços internos pelos produtos importados, especialmente da Ásia.

A política econômica tem por finalidade criar condições para um crescimento econômico sustentável e com melhorias nas condições de vida da população, especialmente das camadas de menor renda. Os atuais indicadores tendem a apontar cenários mais favoráveis para o alcance dessa finalidade.

*Amir Khair, mestre em Finanças Públicas pela FGV

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