Uma nova diferença entre os sexos
Fernando Reinach*
Apesar de todo ano estudantes de Medicina dissecarem centenas de cadáveres, ninguém acredita que ainda é possível descobrir estruturas no corpo humano. De tão estudada, a anatomia humana se tornou uma ciência moribunda. Mas, agora, três antropólogos identificaram um detalhe em nossa anatomia que havia passado despercebido.
O interessante é que eles não fizeram a descoberta dissecando corpos, mas partiram de considerações sobre a evolução humana. Desde que nossos ancestrais se tornaram bípedes, nosso centro de gravidade, que se localizava entre as patas anteriores e posteriores, passou a se localizar sobre a bacia. Nos homens, o centro de gravidade não se altera ao longo da vida, mas nas mulheres ele se desloca para frente durante a gravidez ou quando a fêmea carrega o filho.
Para compensar esse desequilíbrio, as mulheres curvam a parte inferior da coluna vertebral e acentuam a lordose (aquela curva na coluna logo acima das nádegas). Essa modificação de postura, chamada de lordose fisiológica, pode ser observada em praticamente todas as mulheres grávidas, e tem como função deslocar para trás o centro de gravidade, restabelecendo o equilíbrio.
Se durante milhões de anos as mulheres passaram grande parte de suas vidas grávidas ou carregando os filhos, isso deve ter favorecido a seleção de características morfológicas que facilitam a transição entre a situação sem lordose (entre gestações) e a situação com lordose (durante a gestação).
Os antropólogos, convencidos que essa pressão provavelmente favoreceu alterações nos esqueletos das mulheres, compararam minuciosamente os esqueletos de mulheres e homens. O que descobriram foi uma pequena diferença na forma das vértebras lombares. Nos homens, essas vértebras têm aproximadamente o formato de um cubo, de modo que as superfícies que entram em contatos com as vértebras imediatamente acima e abaixo são paralelas. No caso das mulheres, essas vértebras têm o formato de cunha e as mesmas superfícies em vez de serem paralelas, formam um pequeno ângulo.
Essa sutil diferença entre homens e mulheres, que nunca havia sido descrita, explica a facilidade com que as mulheres curvam a base da espinha e provocam a lordose necessária para manter o centro de gravidade sobre a bacia. Se essa modificação foi causada por mecanismos de seleção natural, ela deveria estar presente somente nos nossos ancestrais que assumiram a postura ereta. Foi exatamente isto que os antropólogos encontraram quando examinaram as vértebras dos esqueletos fossilizados de outros hominídeos. Nos que assumiram a postura ereta, os esqueletos de fêmeas têm vértebras em forma de cunha.
Essa “nova” diferença entre os sexos ajuda a explicar por que os machos da nossa espécie, mesmo quando desenvolvem enormes barrigas por causa do consumo de cerveja, são incapazes de desenvolver uma lordose fisiológica, enquanto as fêmeas jovens, mesmo antes de engravidar, são capazes de forçar a lordose, arrebitando as nádegas.
Como Darwin já havia observado, as características sexuais secundárias acabam sendo usadas para atrair o outro sexo. Não podia ser diferente no caso da lordose.
Mais informações em Fetal load and the evolution of lombar lordosis in bipedal hominins, na Nature, vol. 450, pag. 1.075, 2007.
*Biólogo - fernando@reinach.com
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