quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

'As águas estão turbulentas, mas o PAC funciona como âncora'


Dilma Rousseff: ministra-chefe da Casa Civil

Ribamar Oliveira e Beatriz Abreu, BRASÍLIA

O Estado de São Paulo

A ministro-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, entende que o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) é “uma espécie de vacina” contra a turbulência internacional. Uma eventual redução da demanda global poderá, segundo ela, ser compensada pela “robustez do mercado interno” e pelos investimentos previsto no PAC. Ela não vê necessidade de o governo brasileiro adotar medidas preventivas. “Quais seriam essas medidas?”, questionou. “Por que nós haveríamos, num quadro desses, de puxar a demanda para baixo, derrubar o crescimento do PIB e provocar uma recessão?” Dilma afirmou que o Brasil será sempre “dependente de São Pedro”, pois é um país com grande dependência da energia hidrelétrica. Ela disse que usar as térmicas não deve ser visto “como um crime” e elas passarão a fazer parte do sistema. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Quando o PAC foi lançado, a economia mundial crescia mais de 5%. Agora o mundo vive um período de incertezas, com a possibilidade de recessão da economia americana. Além disso, o governo perdeu R$ 40 bilhões de receita, com o fim da CPMF. Essa mudança de cenário não deveria levar o governo a rever as metas do PAC?

As águas estão turbulentas (no mercado externo). Mas o PAC funciona como âncora. No mundo de hoje, é fundamental que o crescimento seja realimentado pelo mercado interno e pelo externo. Acho importante que o Brasil seja uma economia aberta. Agora, isso não significa desconhecer a importância da dinâmica interna, como um dos propulsores fundamentais do crescimento sustentado. As principais economias emergentes são continentais, com mercados internos de porte. Nesse sentido, o PAC funciona como uma espécie de vacina. Não é literal porque, neste mundo de economia globalizada, não se tem imunidade eterna.

Por que o PAC é uma vacina?

O aumento do investimento é que torna um crescimento sustentável, além do funcionamento dos mercados externo e interno. O interno tem de funcionar, porque senão o crescimento é pífio. Esse impulso endógeno, vamos dizer assim, que decorre do mercado interno, é algo que se obtém de várias formas. No Brasil, hoje, ele decorre do aumento da produção de bens de capital muito acima do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), o que permite dar sustentabilidade à expansão econômica, pois evita os gargalos e as pressões inflacionárias. O PAC é investimento em infra-estrutura na veia da economia. Num quadro de problemas na demanda internacional, o aumento e a maior robustez da demanda interna é um fator muito importante. Em termos de efeitos anticíclicos, o PAC é um elemento fundamental. Se ele se justificava antes, porque o governo queria acelerar o crescimento, mais ainda hoje porque queremos não só acelerar o crescimento mas dar sustentabilidade ao crescimento. O PAC é um programa com os pés no chão, pois está baseado na robustez fiscal e no controle inflacionário. Por isso, não acredito que ele tenha de ser “repensado” num quadro de desequilíbrio internacional. Nós vemos no PAC esse esforço virtuoso de dar sustentabilidade ao crescimento. O presidente Lula vai fazer um enorme esforço para evitar qualquer restrição ao PAC.

Cortar ou não o PAC não é uma decisão do Congresso?

Sem dúvida que é uma decisão do Congresso. Mas a Constituição atribui ao Executivo a gestão do seu orçamento. O Congresso decide, mas há graus de liberdade que são do Executivo. O nosso intuito é sempre uma ação cooperativa com o Congresso. Os Poderes da República têm de ter equilíbrio. A posição do Executivo é no sentido de não deixar ter corte no PAC e de compensar qualquer tentativa de fazê-lo. O cobertor ficou mais curto em R$ 20 bilhões e algumas despesas vão sobrar. Mas não necessariamente no PAC.

Mas cortar onde?

Quem vai responder é o ministro Paulo Bernardo (do Planejamento) e o ministro Guido Mantega (Fazenda). A orientação que eu tenho do presidente é: não se corta no PAC.

O documento divulgado sobre o PAC prevê crescimento da economia brasileira de 5% ao ano até 2010. Essa previsão é compatível com a nova realidade da economia internacional?

O Brasil esteve acostumado a taxas de crescimento de 2% ou até menos nos últimos anos. Por um motivo muito simples: nenhuma economia do porte da brasileira é puxada apenas por exportações. A grande novidade é que o Brasil manteve um impulso exportador significativo e agregou a ele um mercado interno muito robusto. Se esse problema do mercado internacional for mantido, e ninguém sabe qual é o tamanho dele, ele vai ser compensado por um aumento do que não existia antes (refere-se ao mercado interno). Acho que é prudente manter essa expectativa (de crescimento de 5% ao ano). Nós viemos de um impulso muito forte em 2007, que segurará 2008, e não há nenhum sinal de retração da demanda no mercado interno brasileiro. Por que nós haveríamos, num quadro desses, de puxar a demanda para baixo, derrubar o crescimento do PIB e provocar uma recessão? Por que teríamos de ser pessimistas?

O PAC depende também dos investimentos privados. A crise não pode reduzir esses investimentos?

Os sinais que nós temos da iniciativa privada é de muita agilidade e de muita agressividade, no que se refere a iniciativas de empreendimentos, de recuperar o tempo perdido. Todos os empresários estão esperando as condições e as oportunidades para investir e encontrar aqui dentro um horizonte de crescimento sustentável para os próprios negócios. Não vejo por que o setor de construção civil vá andar para trás. Não vejo por que o setor de equipamentos vá andar para trás. A crise começou no ano passado, e o crescimento do Brasil acelerou-se no último semestre de 2007. Não há razão econômica que leve o investidor a entesourar o seu dinheiro e não investir, se o entesouramento tenderá a render menos. O Brasil e os demais países emergentes são as melhores alternativas para investimento.

Não é arriscado esperar para ver o vai dar?

Mas qual é o risco? O risco hoje no mercado internacional não é por causa do subprime. É pelo efeito que o subprime provocou no mercado de crédito americano e europeu, que o Brasil não está nele. Quem está com medo é quem não sabe que banco está micado, não sabe quem está na pior situação. Essa incógnita é que cria incerteza no mercado de crédito. Todo mundo sabe que as instituições financeiras brasileiras estão numa situação bastante sóbria e robusta, de equilíbrio. Aqueles que têm investimento aqui em ativos reais não vejo por que retirarão. A menos que estejam sendo vítimas de crise de crédito, e não é isso que estamos vendo no Brasil. Não acho que estamos blindados, que nós somos uma ilha. Mas precisamos colocar as coisas em perspectiva. Os efeitos da crise internacional no Brasil serão muito menores do que alguns querem fazer crer.

Se houver uma redução da demanda internacional, o Brasil será afetado?

Aí teremos algum problema, mas teremos de nos adaptar. Vamos ver qual o efeito nas economias emergentes, pois a demanda de produtos brasileiros se diversificou bastante. Não somos mais dependentes pura e simplesmente dos Estados Unidos; temos os países da Ásia, da América Latina.

O governo não precisa, então, adotar medidas preventivas?

Se você me disser quais... Não sei qual. Neste momento, os Estados Unidos estão tentando estruturar uma política anticíclica, o que é muito bom para nós. Então, vamos saudar esse evento (redução da taxa de juros pelo Fed em 0,75 ponto porcentual). Agora, se ele vai ser eficaz ou não são outras avaliações.

Qual é a principal mensagem do governo no primeiro ano do balanço do PAC?

As obras do PAC deslancharam. Nós estamos saindo da fase de preparação (projeto básico, projeto executivo, licenciamento e licitação) para a fase de obras. Conseguimos agregar a ele um conjunto de ações muito importante. Lançamos a segunda e terceira fases das concessões e o trem de alta velocidade (que ligará o Rio de Janeiro a São Paulo e Campinas). No caso desse trem, vamos agora estudar a demanda, o traçado, e deixamos em aberto a solução tecnológica. Queremos avaliar até mesmo se este é um empreendimento para ser feito por PPP (parceria público-privada). Esse é um projeto importante para o Brasil.

Por causa da Copa de 2014?

Por causa da Copa, do aeroporto (de Congonhas, que está sobrecarregado). O projeto ajudará a diminuir a pressão sobre os dois maiores adensamentos humanos do Brasil, pois permitirá dispersar a concentração da população.

A oferta de energia pode ser um limitador do crescimento no Brasil.

Se tiver problema, será. Eu não acredito que terá.

Não é complicado, depois de tantos anos, o Brasil ficar na dependência de São Pedro?

O Brasil, enquanto for um sistema hidrotérmico, terá dependência de São Pedro. O nosso problema é acabar com o risco que essa dependência acarreta. O nosso sistema elétrico é, hoje, 80% hídrico e 20% térmico. Nós tivemos um aumento significativo da geração de energia, um aumento de 24 gigawatts (GW) de 2000 para 2007.

Mas é basicamente termoelétrica?

Não. É 13,8 GW de hídrica contra 9,1 GW de térmica. O Brasil não pode achar que usar térmica é crime. Ou seja, sinal de doença, de incompetência dos agentes públicos. Um sistema hidrotérmico é um sistema que se caracteriza por ter flexibilidade aumentada, segurança ampliada. O nosso sistema tem dominância hídrica (80%), diversidade hidrológica entre as regiões (chove em um lugar e não chove no outro) e usina distante do centro de carga. Portanto, tem de ter linha de transmissão. Esse sistema tinha parado de ampliar e de construir reservatórios. Não tinha linha de transmissão suficiente. Tivemos de expandir a capacidade hídrica e de dar conta das térmicas que estavam instaladas, mas não tinham gás nem gasoduto.

As térmicas vão funcionar desde que haja gás.

Isso. Quando nós chegamos aqui não tinha gás, não tinha gasoduto. Então qual é o nosso desafio? Correr atrás da máquina para dar conta do gás e do gasoduto que já não existia. Ao mesmo tempo, a demanda por gás cresceu 17% ao ano. Não adianta eu ter gás no Espírito Santo e não conseguir levar o gás para o Rio de Janeiro. Não adianta ter térmica em Pernambuco e não ter como levar para o Nordeste. Além de achar gás, o País precisa de gasoduto. Se o Brasil não tiver gás, precisa ter um dispositivo que permita adotar outro combustível. Tomamos a decisão de antecipar toda a produção de gás. Saímos de uma produção interna muito baixa. A nossa meta é chegar em 2010 com uma produção de 55 milhões de metros cúbicos em 2010.

Hoje, se ligar todas as térmicas não terá gás...

Quem disse isso? Eu quero que me diga quem é que sabe isso. Depende do que se quer fazer, se quisermos cortar um pedaço de refino da Petrobrás, quisermos ter uma discussão com as empresas... Ninguém opera um sistema elétrico dessa complexidade sem criar múltiplas alternativas e aumentar a flexibilidade do sistema.

Haverá aumento de preço?

Nós teremos de pagar o preço das térmicas, a não ser que o País faça grandes reservatórios, grandes Itaipu, alaguemos áreas.

Há os que afirmam que o racionamento está sendo feito via preço.

Racionamento não é isso, não. Racionamento é o que o pessoal tenta fazer com que nós façamos. Nossa estratégia não é a deles. Eles não tinham tomado nenhuma providência. É. Os que cantam em prosa e verso que nós temos de racionar. É o pessoal que fez o racionamento, que fez a operação pelo lado da demanda. Nós queremos fazer a operação pelo lado da oferta.



ENERGIA: “O Brasil, enquanto for um sistema hidrotérmico, terá dependência de São Pedro”

CORTES: “Cobertor ficou mais curto e algumas despesas vão sobrar. Mas não necessariamente no PAC”

PACOTE: “Os Estados Unidos estão tentando estruturar uma política anticíclica, o que é bom para nós”

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