domingo, 27 de janeiro de 2008

FMI agora pede que países gastem mais

CRISE NOS MERCADOS/ FÓRUM DE DAVOS

DAVOS/SUÍÇA

Fundo inverte clássica defesa de orçamentos equilibrados e sugere a governos relaxamento de políticas fiscais

Novo diretor-gerente propõe medida onde haja "espaço para isso'; pedido indica "gravidade da crise", diz ex-secretário dos EUA

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A DAVOS

O Fundo Monetário Internacional inverteu ontem radicalmente a sua clássica defesa de orçamentos equilibrados e, portanto, de uma política fiscal rígida para defender o inverso como parte da solução da crise financeira global.
"Nos países em que há espaço para isso, a política fiscal deve ser relaxada", afirmou o novo diretor-gerente do Fundo, o francês Dominique Strauss-Khan, ao abrir debate sobre o "Panorama Econômico 2008", no encontro anual do Fórum Econômico Mundial.
A seu lado, Lawrence Summers, ex-secretário norte-americano do Tesouro (durante o governo Clinton), hoje professor da mitológica Harvard University, não perdeu a chance de ironizar:
"É a primeira vez em 25 anos que um diretor-gerente do FMI pede um aumento do déficit fiscal".
Mas Summers também anotou o significado do pedido: "É uma indicação da gravidade da crise".
Gravidade, de resto, exposta em tons próximos de apocalípticos por John Thain, executivo-chefe da Merrill Lynch, conglomerado financeiro que gerencia ativos de impressionante US$ 1 trilhão, mais ou menos um Brasil.
O teorema negro traçado por Thain é este:
1 - O valor dos imóveis nos Estados Unidos (epicentro da crise original) já caiu 7% em 2007 "e vai continuar a se deteriorar".
2 - Esse declínio se espalhará pelo mundo.
3 - Já estão surgindo problemas no mercado de crédito, que se estenderão ao mercado consumidor (citou especificamente cartões de crédito).
A inadimplência dos consumidores norte-americanos já aumentou 40%.
4 - "Outra ordem de problemas virá do aumento do desemprego".
Conclusão inescapável: "Demorará para que se volte a algum tipo de normalidade".
Diga-se que Summers, um acadêmico, concordou com a visão de Thain, executivo do setor financeiro privado.
O próprio Strauss-Khan, no comando da principal instituição financeira multilateral, antevê uma "severa desaceleração" nos Estados Unidos, situação que, segundo ele, já surgirá claramente na primeira versão do "Panorama Econômico Mundial" que o FMI divulgará nas próximas semanas.
Se há esse virtual consenso sobre os problemas nos Estados Unidos, ele desaparece quando se analisa a repercussão nos demais países. Mas a teoria do "decoupling" (o descasamento entre os mercados emergentes e os Estados Unidos) foi de novo fulminada, até por Strauss-Khan, que, por sua posição, tem naturalmente que ser mais sereno:
"Não diria que os mercados emergentes estão imunes à crise. Nas últimas semanas, aliás, os mercados mostram que não houve descasamento" (alusão ao fato de que o sobe-e-desce nas Bolsas foi parecido no mundo rico e nos mercados emergentes).
Para o diretor-gerente do FMI, não há descasamento, mas "vínculos mais complexos que no passado" -e ainda não suficientemente estudados.
À margem do debate, Alain Belda, o brasileiro que preside a Alcoa, disse à Folha: "O descasamento entra no departamento das esperanças dos subdesenvolvidos, não na vida real".
De todo modo, a propagação da crise para os mercados emergentes pode dar-se via queda no preço das commodities, que afetaria especialmente o Brasil, grande exportador desse tipo de mercadorias.
Mas a queda depende, por sua vez, do que de fato acontecerá com a economia norte-americana, se mera desaceleração ou se recessão.
O ministro indiano de Finanças, Palaniappan Chidambaram, foi otimista sobre seu próprio país: crescerá de 8% a 8,5%, em linha com os resultados dos últimos anos.
Mas não se atreveu a fazer previsões sobre os demais mercados emergentes.
Yoshimi Watanabe, ministro para Assuntos Financeiros e Reforma Administrativa do Japão, também foi relativamente otimista, ao prever crescimento de 2% neste ano, quando há inquietação entre os analistas sobre a hipótese de o Japão recair em uma recessão feita em casa.
Por fim, Christine Lagarde, a ministra francesa de Finanças, Economia e Emprego, disse que "a competitividade da economia européia passará pelo teste da realidade". Para que possa vencê-lo, cobrou de Jean-Claude Trichet, presidente do Banco Central Europeu, que desvalorize o euro e reduza os juros (o euro forte como está dificulta as exportações européias).
"Espero que Trichet seja sensível aos apelos vindos não só da França mas de toda a Europa para que pense também no crescimento da economia e não apenas no controle da inflação", disse a ministra.
Que passos devem ser dados para enfrentar a crise, além de abrir os cofres dos governos que puderem fazê-lo?
Primeiro, sanear o sistema financeiro. "Os bancos têm um buraco e ele tem que ser fechado", diz, por exemplo, o japonês Watanabe.
Depois, a crise "só pode ser enfrentada em termos globais. Não há como fazê-lo em um só país, ainda que esse país sejam os Estados Unidos", diz Strauss-Khan.
Terceiro, valorizar moedas que estão claramente desvalorizadas, como é o caso da China. "Estamos preocupados com a taxa chinesa de câmbio, que torna nossas exportações menos competitivas", diz o indiano Chidambaram.
Reforça até Lagarde, cujo país usa um euro valorizado: "O euro não pode ser a única peça no ajuste global de taxas de câmbio".

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