domingo, 27 de janeiro de 2008

Crise USA: FMI dormiu ao volante,diz Nobel de Economia


Joseph Stiglitz, economista

Como o sr. vê a atuação dos organismos financeiros multilaterais na atual crise financeira?

Houve uma discussão nos últimos anos sobre os desequilíbrios do mundo, mas o FMI não fez nada em relação a isso. O fundamento dos desequilíbrios mundiais era o excesso de gastos dos americanos, de US$ 800 bilhões (o déficit em conta corrente). Os americanos tentaram culpar a China e outros países, mas o problema fundamental era seu próprio excesso de consumo. Se o FMI tivesse feito o seu trabalho, teria visto a linha de conexão entre esses problemas e percebido também que uma das suas principais funções é a estabilidade dos mercados. Estabilidade dos mercados financeiros significa não exportar hipotecas tóxicas, como fizeram os Estados Unidos. O FMI dormiu ao volante. Eles nem ao menos tiveram uma grande discussão sobre regulação para garantir que não houvesse negociações com essas hipotecas tóxicas.

O sr. tem alguma explicação para essa falha?

Não foi uma surpresa para mim, levando em consideração que esses são problemas com origem nos EUA, o único país que tem poder de veto no FMI. Os EUA não ficarão muito felizes com o FMI dizendo que fizeram uma lambança. Agora, uma coisa é os EUA fazerem uma lambança e machucarem a si mesmos. Na globalização, muitas outras pessoas fora do país sofrem. Então, isso deveria ser um assunto do FMI. Mas eles não podem fazer o trabalho enquanto continuar esse sistema falho que dá aos EUA o poder de veto.

E as falhas dentro dos EUA?

O Fed (Federal Reserve, banco central americano) tem um alto grau de culpa. Alan Greenspan (ex-chairman do Fed) também. O problema começou quando eles deixaram de tomar ações regulatórias. Eles tinham a autoridade e não a exerceram. Greenspan chegou a encorajar as pessoas a pegar hipotecas com taxas de juros flutuantes, quando as taxas de juros estavam no seu nível mais baixo. Isso significava que a probabilidade de as taxas subirem era alta. O que o Greenspan fez foi dizer que, se as pessoas tivessem tomado hipotecas com taxas variáveis dez anos antes, elas estariam muito melhor. E é verdade: essas pessoas teriam se dado bem porque ninguém antecipou que qualquer chairman faria o tipo de coisa descuidada que ele fez, ao trazer as taxas de juros para 1%. Então, quando as taxas de juros caem muito de uma forma não antecipada, a pessoa ganha se ela soube especular com uma hipoteca com taxas variáveis. Mas, quando as taxas já estão lá em baixo, em 1%, só há uma direção, que é para baixo (*). Foi claramente o conselho errado no momento errado. Quando foi sugerido que havia um problema no mercado residencial, Greenspan disse para elas não se preocuparem. O Fed não viu os problemas. Se você olhar os gráficos, vai notar que eles gritavam que havia alguma coisa estranha. Eles tinham instrumentos para lidar com isto, mas nada fizeram.

O sr. acha, como o investidor George Soros, que as falhas têm a ver com a ideologia liberal que passou a prevalecer a partir dos anos 90?

É uma soma de ganância, de desregulação e de uma falha de incentivos para bancos e para as agências de risco.

Pode dar um exemplo?

As agências de rating são pagas por quem elas classificam, e portanto têm todos os incentivos para agradar o cliente. Esses títulos complexos que receberam rating de triplo A (a mais alta classificação de risco) mostram que elas acreditaram em alquimia financeira. Você pega um bônus ruim, faz um feitiço e o transforma num bônus bom. No caso dos bancos, se os problemas fossem com um deles só, então nós diríamos ok, as pessoas erram. Mas os problemas são com quase todos. E isso significa que ou eles são estúpidos ou não fizeram a análise devida. Eles claramente deixam passar coisas que muita gente apontava - e eles não queriam ouvir. Ou eles não eram os bons gestores de risco que diziam ser ou os seus incentivos eram perversos - e eles tiveram incentivos para fazer essas ações arriscadas.

Qual é a agenda correta para corrigir estes problemas?

Claramente, precisamos de uma regulação melhor, no nível nacional e internacional. Temos de reconhecer que, à medida que fomos liberalizando os mercados financeiros, nós não criamos as autoridades reguladoras apropriadas.

Quão profunda pode ser a recessão nos Estados Unidos?

Estou do lado mais pessimista, e a razão básica é que este não é um ciclo econômico habitual, no qual você acumula estoques, se livra deles e então recomeça a crescer. Nesta crise, os balanços foram devastados, os americanos vão perder as suas casas, um total de 1,7 milhão a 2 milhões de pessoas. Vai demorar mais para a economia se recuperar.

(*) suponho que é um erro de tradução e que deva se ler "para cima"e não "para baixo".

2 comentários:

Anônimo disse...

de onde saiu este texto?

Anônimo disse...

O Estado de São Paulo