País vive 'revolta da vacina' às avessas
Há cem anos, pessoas fugiam da vacinação no Rio; agora, febre amarela leva até quem já foi vacinado a postos
Lígia Formenti - O Estado de São Paulo
A recente corrida da população pela vacina contra febre amarela já é comparada por alguns sanitaristas com um movimento que ocorreu em 1904 no Rio, conhecido como 'revolta da vacina'. Porém, ao contrário. No século passado, a movimentação era para evitar a vacinação. Embora o governo garantisse, na época, que a imunização era segura, ninguém a aceitava. Agora, ocorre o inverso. Embora desde o início das mortes de macacos o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, assegure que não há risco de surto, pessoas de todos os locais do País - mesmo em áreas consideradas livres do problema - insistem em ser imunizadas. E, em casos extremos, mais de uma vez.
Veja especial sobre febre amarela e a Revolta da Vacina
'É uma revolta da vacina ao avesso', resume Rui de Paiva, da Gerência de Atenção Básica de Especialidades da Secretaria Municipal de Guarujá. Um dia depois do pronunciamento de Temporão em rede nacional sobre febre amarela, a cidade litorânea paulista viveu uma onda de procura pela vacinação.
Depois de seis casos de meningite meningocócica registrados, a secretaria decidiu fazer uma vacinação de bloqueio numa favela Chaparra. No entanto, a população de bairros vizinhos exigia que a vacina fosse estendida para crianças de outras áreas. Um tumulto se instalou, profissionais de saúde precisaram de escolta policial.
'No caso da febre amarela, é a mesma coisa. As pessoas parecem não acreditar nos critérios técnicos, adotados no mundo inteiro, não só no Brasil', completa. Para ele, o comportamento acaba levando a uma contradição: 'Há mais pessoas com efeitos colaterais por uso da vacina do que pessoas com suspeitas de febre amarela.' Na sexta-feira, o governo anunciou que havia 31 pessoas internadas com reações por causa de superdosagem da vacina.
O professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Celso Granato faz igual avaliação. 'Esse fenômeno é um misto de desinformação e descrédito das autoridades', observa. 'Talvez por causa de discursos passados, a tendência é as pessoas tentarem resolver seus problemas por conta própria, não pensar em autoridades.'
Ontem, Temporão afirmou que a corrida pela vacina começa a diminuir. 'As pessoas já estão entendendo que não há surto, não há risco de epidemia nas cidades.' O ministro, porém, afirmou que não há, no momento, perspectivas de retomar a exportação da vacina. A distribuição para mais de 30 países foi suspensa no fim do ano passado, depois das notícias de mortes de macacos em regiões de risco para febre amarela. 'Somente vamos retomar a exportação quando estoques reguladores do País estiverem normalizados', disse Temporão.
Ele afirmou ontem à tarde que não há aumento do número de casos da doença. 'Foi um aumento concentrado. Agora a situação começa a se normalizar', completou. Para ele, a corrida pela vacina foi provocada, sobretudo, pela 'informação incorreta', transmitida para a população. 'E isso não foi feito pelo ministério.' O ministro disse serem fundamentais, porém, os esforços das Secretarias de Saúde dos Estados para tentar reduzir ao máximo a vacinação desnecessária de parte da população.
O Ministério da Saúde confirmou neste ano 12 casos de febre amarela no País, somando 8 mortes de pessoas que passaram ou moravam no Estado de Goiás.
A Prefeitura de São Paulo reduziu de 407 para 73 o número de postos de saúde que oferecem a vacina contra a febre amarela. A lista dos locais pode ser consultada no site http://portal.prefeitura.sp.gov.br/secretarias/saude ou pelo telefone 156.
COLABORARAM RUBENS SANTOS E FABIANE LEITE
A DOENÇA
O que é: Doença infecciosa febril aguda, de duração máxima de 10 dias. Pode matar
Transmissão: Ocorre pela picada de mosquitos infectados. Não há transmissão de humano para humano. O tipo silvestre é transmitido pela fêmea dos mosquitos dos gêneros Haemagogus e Sabethes. O tipo urbano é transmitido pelo Aedes aegypti, o mesmo da dengue
A vacina: É gratuita e está disponível nos postos de saúde. É administrada em dose única a partir dos 9 meses e vale por 10 anos. É dispensável para quem não vai viajar ou não mora em áreas de risco.
Sintomas: febre, dor de cabeça e no corpo, náuseas, icterícia e hemorragias. O tratamento apenas controla os sintomas
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