quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Sustentabilidade do crescimento brasileiro


Legenda: Lançamento do novo modelo do Ford Ka, em São Bernardo do Campo.
Foto: Milton Michida

Antonio Corrêa de Lacerda*

O ESTADO DE SÃO PAULO

Para alguns, o surpreendente desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, superior a 5% em 2007, tem gerado discussões quanto a sua sustentabilidade. O longo período de oscilações no desempenho justifica um certo ceticismo por parte de alguns setores. Há, de fato, riscos, tanto no horizonte internacional - o principal deles quanto aos desdobramentos da crise da economia norte-americana - e mesmo local, como o abastecimento energético e outras carências de infra-estrutura, a pressão inflacionária e a questão fiscal.

No entanto, a despeito desses riscos inegáveis, a economia brasileira encontra-se numa situação inédita nas últimas três décadas pós “milagre econômico” 1960-70. O grande “pulo do gato” do Brasil foi reduzir espetacularmente a sua vulnerabilidade externa nos últimos cinco anos, favorecido pelas excepcionais condições da economia internacional que combinou crescimento econômico com alta liquidez, taxas de juros baixas e elevação de preços das commodities.

Além disso, dois fatores internos foram determinantes. Do ponto de vista da política macroeconômica, a mudança do regime cambial, de administrado para flutuante em 1999, e a conquista da quase auto-suficiência em petróleo nos deram uma condição extraordinária.

A inversão do saldo de contas correntes do balanço de pagamentos brasileiro de um déficit superior a US$ 30 bilhões em 1999/2000 para um superávit de US$ 13 bilhões em 2002/2003 viabilizou a redução da relação dívida externa/PIB e a forte ampliação das reservas cambiais líquidas, que cresceram de pouco mais de US$ 16 bilhões no início de 2003 para US$ 180 bilhões no final de 2007.

Muitos questionam o custo de carregamento das reservas cambiais, mas poucos ousam mensurar o custo hipotético de não possuí-las. Elas têm sido determinantes para dar maior autonomia para a política econômica brasileira.

Do ponto de vista fiscal, apesar das flagrantes distorções, como a elevação da carga tributária, hoje em 34% do PIB, e uma excessiva expansão dos gastos correntes, há uma notória recuperação dos investimentos públicos, com a manutenção de um superávit primário expressivo. Falta aprimorar o conjunto da política macroeconômica para diminuir o ainda elevado custo de financiamento da dívida pública (juros) de R$ 160 bilhões ao ano.

A recente pressão inflacionária, especialmente decorrente do preço dos alimentos, que cresceu 10% no ano passado para um IPCA geral de 4,5%, é um fator de limitação no curto prazo. No entanto, não a ponto de abortar o crescimento. Aqui vale destacar a importância da decisão do Conselho Monetário Nacional em meados do ano passado em confirmar a meta de inflação para 2008 de 4,5% e mantê-la no mesmo nível em 2009. Muitos questionaram a decisão, argumentando que seria importante sinalizar uma meta menor para favorecer as expectativas baixistas do nível de preços.

Apoiei na época a decisão e continuo sustentando que foi uma escolha acertada. Uma meta mais apertada, diante dos previsíveis choques de custos de alimentos e combustíveis engessaria ainda mais a política monetária.

Uma mudança para pior no quadro econômico internacional também tende a tornar as coisas menos fáceis para a economia brasileira, mas isso também não vai inviabilizar o crescimento, hoje fortemente calcado na dinâmica do mercado interno.

Se as condições conjunturais viabilizam a continuidade do crescimento de curto prazo, isso não substitui o necessário fortalecimento da estratégia para o desenvolvimento econômico-social de médio e longo prazos. A questão não é só o ano em curso, mas as próximas décadas.

É crucial definir e implementar uma estratégia de desenvolvimento que nos torne menos dependentes da exploração de recursos naturais. Até mesmo para poder fazê-lo de forma sustentável é determinante que sejam fortalecidas as competências em outras áreas, principalmente indústria e serviços, em alguns casos fortalecendo vantagens competitivas já existentes, em outros, criando novas. São desafios ousados, porém factíveis, desde que haja determinação e não se cometa o erro de cair na armadilha da acomodação.

*Antonio Corrêa de Lacerda, professor doutor da PUC-SP, é doutor em Economia pela Unicamp e autor, entre outros livros, de Crise e Oportunidade: o Brasil e o cenário internacional (Lazuli). E-mail: aclacerda@pucsp.br

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