terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Ode a McDonnald


O caderno Ilustrada da Folha traz hoje um artigo de João Pereira Coutinho, com título "A velha besta". Um primór apologético do capitalismo. Deveria se chamar "Ode a McDonnald".

Atacando o sistema educacional europeu pela sua reticência a fazer apologia do sistema, seus valores e o mercado, atribui-le a responsabilidade pelas dificuldades econômicas do velho continente.


Peremptório, proclama: "Nos bancos da escola, os franceses não aprendem as leis básicas da oferta e da procura. Mas aprendem a combater "la McDonaldisation du monde" e, como resultado, a economia gaulesa floresce rumo ao abismo".


Fora não ser verdade que os franceses não aprendem as leis básicas da oferta e da procura (o presidente do FMI é um francês), o paradoxal é que combater a "McDonalisation du monde" é tida como responsavél do declinio economico da França, o que é uma burrada monumental.

O país do McDonald, graças ao reino absoluto do mercado e a falta de regularização, levou a um abalo da economia mundial em seu conjunto.


Se a França vai para o abismo, após 6 anos de governos de direita, é por tentar aplicar as receitas do neoliberalismo, as mesmas receitas que aprendidas nas escolas fundamentalistas do monetárismo yankee estão levando os Estados-Unidos a recessão e milhões de americanos a perda de suas própriedades.

Ainda bem que a educação na Europa, em particular na França, prepara as pessoas para ser cidadãs, críticas. O sonho dos bajuladores do liberalismo era que as preparasse exclusivamente a servir ao capital. O sonho de todos os escravistas.

LF

A seguir o artigo


JOÃO PEREIRA COUTINHO

A velha besta

Tradição econômica européia, tirando exceções, nunca foi entusiasta do mercado

O CAPITALISMO é como certas mulheres: por melhor que se porte, terá sempre má fama. Exagero? Não creio. Basta pensar nas tradições fundamentais do Ocidente, que sempre olharam para a besta com o tipo de desconfiança que Maomé reservava ao chouriço. Somos filhos de Atenas e Jerusalém? Fato. Mas Atenas e Jerusalém não apreciavam particularmente o dinheiro.
Platão, pela boca de Sócrates, entendia que o dinheiro corrompia a virtude e conduzia os seres humanos a uma existência sem nobreza cívica, exatamente o oposto do que ele desejava para a sua "República" ideal.
Aristóteles, mais moderado, nem por isso baixava a crítica quando o assunto envolvia riqueza. O combate à "pleonexia" (à ambição, à ganância) era uma luta cara ao estagirita.
E se Atenas legou esta hostilidade ao comércio, não encontramos salvação em Jerusalém. Pelo contrário: é mais certo um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus.
Ironicamente, alguns dos temas anticapitalistas do mundo antigo acabariam por regressar em linguagem moderna.
A idéia do comércio como inimigo da virtude seria articulada por Rousseau e, depois dele, por intelectuais de esquerda (Marcuse) ou de direita (Eliot). E a crença agostiniana de que a riqueza de uns provém sempre da pobreza de outros é o maior clichê das passeatas de Porto Alegre.
Lembrei tudo isso ao ler dois ensaios recentes. O primeiro, de Stephen Theil para a edição corrente da revista "Foreign Policy". E o segundo, de Peter Saunders, para a vetusta "Policy". Que nos dizem Theil e Saunders?
Em trabalho notável, Stephen Theil começa por analisar os livros de economia que franceses e alemães estudam hoje nas escolas. E o jornalista descobre que os alunos não aprendem propriamente economia. Aprendem um discurso sobre a economia que é, em resumo, uma longa diatribe contra o capitalismo e suas garras desumanas.
Na França, o livro canônico do estudo secundário dá pelo nome de "Histoire du 20ème Siècle" (história do século 20). E nessa história contemporânea é apresentada uma visão terrífica da iniciativa privada, que alegadamente mergulha os seres humanos em existências arruinadas. Nos bancos da escola, os franceses não aprendem as leis básicas da oferta e da procura. Mas aprendem a combater "la McDonaldisation du monde" e, como resultado, a economia gaulesa floresce rumo ao abismo.
Não são caso único. Na Alemanha, conta Theil que os nativos exibem igual hostilidade ao mercado. E quando o assunto é a globalização na Europa, eles preferem chamar-lhe "a brasilianização da Europa", uma expressão que, além de xenófoba, é profundamente ignorante: qualquer brasileiro, hoje, prefere emigrar para Londres, não para Berlim. Porque o capitalismo, mesmo o moderado capitalismo britânico, funciona.
Para Stephen Theil, necessário se torna rever a filosofia desses livros, que demonizam o mercado e atribuem ao Estado a função primária de velar pelos indivíduos. Se a Europa deseja mudar de vida, ela tem de começar por mudar a forma mental dos europeus.
É difícil discordar de Theil. Mas eu não estaria tão esperançado em qualquer mudança mental. Primeiro, porque a tradição econômica européia, tirando gloriosas exceções, nunca foi entusiasta do mercado. Desde Atenas. Desde Jerusalém.
Mas, sobretudo, porque não existem livros sem autores -ou, se preferirmos, sem essa particular espécie que, desde o iluminismo continental, se propõe a dirigir a humanidade. Falo dos "intelectuais". E falar dos "intelectuais" é falar do estatuto menor que eles ocupam em sociedades capitalistas, razão pela qual a maioria se interessa em combatê-las. É Peter Saunders, no segundo artigo, quem relembra Hayek e a sua interpretação clássica do fenômeno: nos últimos 50 anos, e graças à "mão invisível", a pobreza recuou mais do que nos últimos 500. Mas a realidade valerá pouco para o "intelectual" quando ele se confronta com uma entidade que não conhece e, pior, não controla: o mercado.
Para Hayek, a hostilidade dos "intelectuais" ao mercado não se explica por uma visão romântica alternativa. Não se explica pela hostilidade aos ricos ou pelo amor aos pobres. Explica-se com os caprichos do próprio ego. E, quando o assunto é tão profundo, não existe nada pior que vaidade frustrada.

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