Crise nos USA: Dessa vez, os velhos remédios não funcionarão
Numa recessão normal nos EUA, a lista de afazeres é clara. Tira-se a poeira dos livros de Keynes, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) baixa as taxas de juros e o presidente e o Congresso cortam impostos e aumentam gastos. Depois de algum tempo, as compras, a produção e os empréstimos se recuperam e Keynes volta para a prateleira. Nossa economia não sofre nenhuma alteração maior, pois é essencialmente sólida, afora os solavancos ocasionais.
Esse tem sido o roteiro em toda recessão desde a 2.ª Guerra Mundial.
Republicanos e democratas divergem sobre quem deve ser mais beneficiado pelos cortes de impostos e quais projetos devem ser financiados, mas, sob pressão do público para que façam algo, normalmente encontram um meio-termo e aprovam um pacote de estímulo.
Mesmo na Washington hiperpartidária de hoje, um acordo desse tipo continua provável.
Dessa vez, contudo, a história não deverá acabar aí, pois a recessão que se aproxima não será normal e nossa economia não está essencialmente sólida.
Agora, a nação terá de criar novas versões de algumas das reformas promovidas por Franklin Roosevelt para sair da Grande Depressão - não porque uma grande depressão se aproxima, e sim porque nossa economia foi abalada por dois eventos que não ocorriam desde os tempos de Roosevelt.
O primeiro é a estagnação da renda do americano comum, fenômeno iniciado nos anos 70 que as famílias compensavam com o trabalho de ambos os cônjuges e a valorização de suas residências.
Com os valores das residências em queda, sem mais cônjuges para trabalhar e com os preços do gás, da faculdade e da saúde continuando a subir, os consumidores estão exauridos.
Dezembro foi o mês mais cruel em muitos anos para os varejistas americanos. E, como Michael Barbaro e Louis Uchitelle informaram segunda-feira no jornal New York Times, os índices de inadimplência em cartões de crédito, financiamentos de veículos e hipotecas aumentaram dramaticamente no último ano.
O alarmante é que essa queda abrupta do poder de compra não parece ser meramente cíclica. Os salários encontram-se estagnados há bastante tempo, a bolha habitacional não será inflada novamente num futuro próximo e a pressão de alta sobre o petróleo só aumentará. Como na época de Roosevelt, precisamos de uma política que estimule a renda e encontre novas soluções para nossas necessidades energéticas.
Os remédios a longo prazo de Roosevelt para a renda incluíram a Seguridade Social, a Lei Wagner (que permitiu a sindicalização de muitos trabalhadores) e obras públicas - entre elas a instalação de redes elétricas no meio rural.
Hoje, um conjunto comparável de soluções incluiria a aprovação da Lei da Livre Escolha do Empregado, que permitiria a sindicalização dos trabalhadores do setor de serviços não exportáveis sem temer a demissão. Incluiria um vasto programa, com financiamento federal, para modernizar os EUA, criando vários milhões de “empregos verdes” no processo.
Nessas questões, há uma clara divergência entre os dois partidos.
Barack Obama, Hillary Clinton, John Edwards e os congressistas democratas apóiam essas medidas; os republicanos são contra (embora John McCain tenha pelo menos começado a falar na criação de empregos verdes).
O que os republicanos defendem é simplesmente cortar mais impostos, o que nada faria para solucionar nossos problemas mais profundos de distribuição de renda e dependência energética.
O segundo aspecto da atual baixa a ecoar a depressão é o papel desempenhado por nosso setor financeiro desregulamentado. Hoje, como naquela época, os alicerces financeiros de nossos principais bancos e outras instituições de crédito mostram-se frágeis.
Hoje, como naquela época, essa notícia surge como uma surpresa terrível não só para os consumidores, mas para grande parte dos próprios bancos.
Hoje, como naquela época, os bancos criaram veículos financeiros tão complexos e deliberadamente obscuros - todos concebidos para gerar lucro em cada operação de swap (troca de indexadores) - que perderam há tempos a referência do valor real dos papéis.
Em sua época, Roosevelt, por meio da Lei de Mercado de Capitais e outras iniciativas, obrigou os bancos a ser mais prudentes e transparentes.
Ao longo dos últimos 30 anos, contudo, Wall Street criou uma série de instituições (como as companhias de gestão de investimentos privados) e dispositivos (como a precipitada e desastrada revenda de hipotecas para grupos de investimento cada vez maiores)desregulamentados.
Agora é hora de cobrar transparência e prudência das instituições financeiras que vêm especulando com o dinheiro e a vida dos outros.
Mas, quando a questão é controlar Wall Street, os democratas têm estado quase tão ausentes quanto os republicanos. Entre outras coisas, seus candidatos presidenciais recebem muito dinheiro de Wall Street.
Recusando-se a impor esse controle, no entanto, eles abandonam uma questão potencialmente importante na campanha eleitoral e preparam o terreno para mais uma recessão.
*Harold Meyerson, editor da revista ‘American Prospect’ e do jornal ‘L.A. Weekly’, escreve para o ‘The Washington Post’. Publicado pelo jornal O Estado de São Paulo
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