sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Para analistas, cortar R$ 20 bi é "difícil"

Este artigo complementa o precedente artigo, também do jornal Valor, sobre orçamento, gasto público e impostos

Sergio Lamucci - Valor


Especialistas em contas públicas receberam com cautela e algum ceticismo as medidas do minipacote fiscal anunciadas pelo governo para compensar as perdas com a não renovação da CPMF. Ainda que a falta de detalhamento dos cortes impeça uma avaliação mais precisa, a expectativa de vários analistas é que parte dos investimentos programados para este ano não escapará da tesoura, assim como as emendas parlamentares.


A redução de R$ 20 bilhões - uma cifra ambiciosa - terá que sair dos gastos sobre os quais a administração pública tem controle (as chamadas despesas discricionárias ), diz o economista Raul Velloso. O projeto de lei orçamentária prevê que esses gastos somem R$ 129,6 bilhões este ano, dos quais 34,6% em dispêndios com Saúde, 10,3% com Educação e 10,8% com o combate à fome (que engloba os dispêndios com o Bolsa Família). Ou seja, ainda que o Tesouro tenha controle sobre essas despesas, na prática uma grande parte delas é muito difícil de ser cortada.


Para Velloso, o governo terá, em alguma medida, de cair na "história mais surrada que existe": cortar parte dos investimentos, justamente num momento em que eles começam a se recuperar. Segundo números preliminares da organização não governamental (ONG) Contas Abertas, a União investiu R$ 19,171 bilhões em 2007, 19,6% a mais do que no ano anterior, em termos reais. O economista-chefe do Unibanco, Marcelo Salomon, também acredita que haverá cortes de investimentos, por ser uma das poucas rubricas do orçamento que o Tesouro controla livremente.


A situação traz à tona mais uma vez a questão da rigidez do orçamento do país. Segundo Velloso, não há como mexer nas despesas com aposentadorias e pessoal. Medidas como a não contratação de novos funcionários públicos e a decisão de suspender reajustes de servidores - com exceção dos que já constam de projetos encaminhados ao Congresso - não devem ter impacto relevante, avalia.


O economista Francisco Pessoa Faria, da LCA Consultores, acredita que as emendas parlamentares são candidatas importantes à tesoura. Para ele, é mais provável que o governo proponha um corte mais próximo do linear das emendas parlamentares, de modo a evitar maiores confrontos com a oposição. "Os congressistas da situação tendem a aceitar essa estratégia, uma vez que há uma grande diferença entre o orçamento aprovado e o executado, pois é nesta segunda fase que o Executivo retribui o apoio parlamentar."


Para Faria, o governo tentará ao máximo manter os investimentos ligados ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), um dos principais carros-chefes da segunda administração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Desse modo, se tiver de reduzir investimentos, o governo deverá fazê-lo nos que estão fora do PAC, acredita ele.


Faria considera razoável a solução encontrada pelo governo para compensar a perda da CPMF, marcada pela combinação de cortes de gastos, aumento de impostos e revisão para cima da expectativa de arrecadação por conta do maior crescimento da economia. Para ele, o ideal seria promover cortes de gastos de R$ 40 bilhões, mas a questão é que isso seria inviável num prazo tão curto.


O economista Cristiano Souza, do ABN AMRO, considera muito ambicioso um corte de R$ 20 bilhões. Como Velloso e Salomon, considera inevitável que os investimentos sejam atingidos pela tesoura do governo.


Uma incógnita é se, com a perda da CPMF, o superávit primário (o resultado das contas públicas sem considerar o pagamento de juros) será afetado. A meta para 2008 é de 3,8% do Produto Interno Bruto (PIB), da qual pode ser descontado até 0,5% do PIB de investimentos em infra-estrutura. Para Velloso, é difícil que o superávit neste ano fique em 3,8% do PIB. "Mas eu só terei uma previsão mais firme quando os cortes forem detalhados em fevereiro", diz Velloso.

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