Estadão: dois pesos, duas medidas
Ontem reclamei: Cadê o editorial do Estadão? (Estou anonadado !). Hoje ele está aí e com divina surpresa.
Não falhou e pareil a lui même, o Estadão fez o editorial hoje sobre o problema das dívidas dos Estados. Sem surpresas, porque se trata principalmente do Estado de São Paulo, governado durante mais de 12 anos pelo PSDB, o editorial é um oásis de ponderação. Chega até ter relento de petismo, quando disse: "A persistir essa situação, a dívida nunca será paga e, pior, aumentará com o tempo". Um plágio das falas de Marta Suplicy.
Vale lembrar que ontem o jornal nos informou que: "O TCE mostrou, com números, esse cenário dramático. Em dez anos, tudo que o Estado pagou à União é menos da metade dos juros e das correções monetárias incorporados à dívida no mesmo período."
Para o editorial de hoje do jornal "É hora de rever a correção da dívida consolidada dos Estados", pois "O resíduo se formo porque as flutuações cambiais e o aumento dos juros, em 10 anos, pressionaram o IGP-DI- o fator de correção. O Estado de São Paulo, por exemplo, fez um ajuste financeiro exemplar, mas tem um resíduo de R$ 43,2 bilhões, depois de ter pago cerca de R$ 36 bilhões".
Ou seja, mesmo tendo vendido quase todo o patrimônio público em sucessivas privatizações que reportaram milhões aos cofres do governo estadual (o que eufemísticamente Estadão chama de "ajuste financeiro exemplar"), mesmo tendo crescido regularmente a arrecadação tributária estadual nestes anos todos e incluso tendo alienado 13% de suas receitas no pagamento da dívida, o governo tucano só consegue pagar menos da metade dos juros e a dívida cresce exponencialmente. Com justiça, que negou a Prefeita Marta Suplicy, o editorial do Estado defende a renegociação dos termos da quitação da dívida.
A situação do governo estadual em relação ao endividamento é semelhante ao da Prefeitura de São Paulo.
Em relação a Prefeitura, as dívidas contraídas por Maluf explodiram por conta dos juros pornográficos praticados pelo governo FHC. A negociação posterior de FHC e Pitta permitiram estabelecer juros menores e fixos (6%), porem com um percentual de pagamento de 13% do total das receitas, idêntico ao dos Estados. No que diz respeito aos limites do direito a empréstimos, aplicaram os critérios das cidades, o seja muito abaixo do que é autorizado aos Estados. O acordo previa também um pagamento extraordinário equivalente a um terço do total do orçamento municipal, o equivalente a quase tudo o que o município investia em educação, prevendo aumento dos juros (9%) em caso de não pagamento desse monto. A aceitação destes aspectos negativos do acordo por parte de Pitta foi ainda mais fácil na medida em que o inicio dos pagamentos do 13% do total da receita do município era previsto para o sucessor.
Diferentemente da compreensão mostrada pelo editorial do estadão agora que se trata do PSDB, em relação a administração da Marta Suplicy sistematicamente defenderam a aplicação estrita de cada item do acordo. Fazendo eco ao governo FHC, rejeitaram as demandas de renegociação de qualquer aspecto do acordo Pitta-FHC, feitas por Marta. Manifestaram oposição ferrenha a qualquer mudança na questão dos limites de endividamento ou no piso dos pagamentos. Exigiram que Marta quitasse uma parte da dívida mesmo a custa de inviabilizar os gastos com educação e saúde. Mostraram uma sanha deslavada, acusando-a de querer desrespeitar contratos e foram absolutamente intransigentes. Dois pesos, duas medidas!
O endividamento da cidade, como o do Estado, continua crescendo. Quando prefeito, o atual governador José Serra chegou a defender a necessidade de modificar os acordos para que São Paulo pague como as demais cidades. Depois, como governador, também recusou-se a quitar em maio uma quantia gigantesca e agora pleiteia com razão uma renegociação da dívida.
Ao contrário do jornal O Estado de São Paulo, que neste quesito pelo menos, defende posições em função da cor que arvora a autoridade pública, eu apoio o pleito do governador do Estado. Penso que o governo Lula, que já se mostrou no tratamento destes problemas incomparávelmente mais sensível e menos partidarizado que seu predecessor, saberá abrir essa negociação, que agora conta com o apoio do jornal paulista.
Luis Favre
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