terça-feira, 10 de julho de 2007

O apagão do bom senso

publicado no Jornal de Brasil

Opinião

Cláudio Magnavita, presidente da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo e apresentador do programa 'Magnavita' na JBTV

Abrimos espaço para fazer algo que muitos setores gostariam de fazer e não conseguem. Não fazem por medo de uma retaliação ou até mesmo por receio de que as baterias se voltem para o próprio umbigo. Trata-se de avaliar o papel nocivo que a grande imprensa está tendo no caso do "apagão aéreo" e a forma que a própria mídia acaba gerando a notícia. Um paradoxo de causa e efeito.

O papel da imprensa em defender o consumidor e estar ao lado da população não deve ser questionado. Este é um fundamento histórico do jornalismo. Ser o porta-voz dos oprimidos e dos injustiçados.

No caso da cobertura sobre o que está acontecendo na aviação, é necessária uma avaliação da tentativa de desempenhar esta missão de paladino. A começar pelo conhecimento e especialização dos repórteres que são escalados para falar sobre aviação. Na maioria das vezes leigos, não sabem diferenciar um Boeing de um Airbus. Estão sempre ávidos para documentar reações intempestivas dos passageiros, que muitas vezes acabam sendo estimuladas pela presença de uma câmara de TV, que, com toda a parafernália, acaba provocando rompantes de coragem súbita. Basta acender uma luz para todos falarem mais alto e colocarem dedos em riste perante pobres e indefesos funcionários, que muitas vezes ficam reféns de uma situação esdrúxula provocada pelo mau tempo ou corpo mole de controladores de vôo a quilômetros de onde estão.

Quem teve o cuidado de monitorar o noticiário televisivo do último fim de semana ficou pasmo ao saber que de hora em hora o fechamento de aeroportos como os de Foz do Iguaçu e Curitiba, e eventualmente o de Porto Alegre, eram noticiados seguidamente. O pior é que nenhum repórter teve o cuidado de checar que nos anos anteriores, sempre no inverno, estas mesmas pistas sofrem restrições de pouso.

Em nome de uma transparência, a "Senhora Infraero" resolveu criar uma lista estatística dos vôos. Ou seja, fornece de bandeja a cabeça dos seus principais clientes: as companhias aéreas. Tenta livrar a sua imagem e imola aqueles que estão tentando voar com os problemas gerados pelos controladores de vôos, aeroportos operacionalmente à meia-boca, como é o caso de Congonhas, e com os problemas gerados por um São Pedro irritado.

Com a anuência da Infraero, as televisões montaram verdadeiros estúdios nos aeroportos principais. Facilita-se tudo. Menos a preservação do entendimento de que um aeroporto, em qualquer lugar do mundo, é área de segurança nacional e o seu acesso deve ser controlado para evitar tumultos e excitar multidões já aborrecidas.

Não se trata de censurar, mas de coibir que exista uma interferência direta em espaços mínimos, como é o caso de Congonhas, no qual o salão de check-in fica a poucos metros do portão de entrada.

Por outro lado, o brigadeiro J. Carlos Pereira, presidente da estatal, demonstra que está muito mais habilitado para ser porta-voz do governo do que dirigir o nosso sistema aeroportuário. A sua incontinência verbal é assustadora. Chega a ponto de confessar que ficou preso três horas esperando um vôo para o Rio. Ao invés de tranqüilizar joga ainda mais brasa para acender esta fogueira pós-junina.

A imprensa deveria aproveitar o seu acampamento aeroportuário para mostrar os espaços que estão subutilizados nos aeroportos de Cumbica, que numa situação de crise já poderiam ter sido desafogados para atender passageiros em quilométricas filas. Numa conta básica chega-se à conclusão que, em Congonhas, 50% da área total estão à disposição de companhias aéreas que deixaram de voar há muito tempo.

A Infraero está subvertendo a ordem de uma empresa comercial, que ao invés de proteger o seu cliente, o atira aos leões. Está sendo, no mínimo, desumana com os milhares de funcionários que trabalham na linha de frente das companhias aéreas e que são obrigados a ouvir desaforo e até apanhar. As empresas aéreas têm os seus erros e demonstram que a sobrecarga de passageiros que passaram a ter depois do enxugamento da Varig é colossal. Porém, a indústria da aviação comercial do Brasil, que sempre teve um conceito de estar entre as melhores do mundo (é só ver o case de sucesso da Gol citada de exemplo de eficiência em todo o mundo) está sendo massacrada por problemas que não gerou.

A cobertura jornalística está perigosamente amadora. Apavora-se o futuro passageiro que pensava em voar, traz para o quadro "de crise" problemas climáticos que sempre existiram.

Nos depoimentos na própria CPI da Câmara já ficou comprovado que as estatísticas de atraso de hoje não diferem muito das do passado. Enquanto não controlarem o brigadeiro J. Carlos na sua cruzada por luzes e embriaguez pela mídia, corre-se o risco dele abrir a porta da sua própria geladeira e, com o acender da luz, começar compulsivamente a dar entrevista. O que está em jogo não é apenas a defesa e a tranqüilidade do usuário, mas a imagem das companhias que exploram a concessão de um serviço público e que estão sendo massacradas por um dos integrantes do poder concedente, no caso, a estatal Infraero, que permite que o circo que ela própria criou no seu quintal comece a pegar fogo.

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