terça-feira, 3 de julho de 2007

Buenos Aires amanhece em campanha eleitoral

Janes Rocha para Valor

AP
Cartazes de Cristina Kirchner, que disputará a Presidência, em Buenos Aires

O centro de Buenos Aires amanheceu ontem em campanha eleitoral, coberto de cartazes com a foto da primeira-dama e candidata a presidente, a senadora Cristina Fernández de Kirchner. Sobre um fundo azul claro, cor da bandeira argentina, a frase: "A mudança já começou". Ao lado do de Cristina, também foram pregados cartazes lançando o nome do vice-presidente, Daniel Scioli, para o governo da província de Buenos Aires. As duas eleições são em outubro.

Cristina confirmou sua candidatura no domingo à noite, numa nota da agência de notícias estatal Télam. Desfez assim um mistério cultivado por meses pelo presidente Néstor Kirchner sobre se era ou não candidato à reeleição. Todavia, ainda não está claro por que o presidente desistiu de tentar se reeleger.

Ontem foi confirmado que o candidato a vice na chapa da primeira-dama será o atual governador da província de Mendoza, Julio Cobos. Ambos se apresentarão ao público juntos no dia 9 de agosto. O lançamento oficial da candidatura de Cristina está marcado para 19 de julho, na cidade de La Plata, capital da província de Buenos Aires e terra natal da senadora.

Num pronunciamento ontem à noite na Casa Rosada, o presidente Kirchner falou pela primeira vez sobre a candidatura de Cristina, dizendo que "em 28 de outubro as urnas vão se encher de boa memória e, quando acabar, estou convencido de que vamos sair do inferno e estaremos construindo essa Argentina com inclusão que todos merecemos". Ao falar em boa memória, referiu-se a um discurso que sempre faz, pedindo que os argentinos não votem em políticos ligados aos governos dos anos 90 que, para ele, levaram o país à crise de 2001.

Logo cedo, Kirchner havia colocado seus dois principais operadores políticos para falar à imprensa, já que ele se recusa a dar entrevistas - só fala do alto de palanques. O ministro do Interior, Aníbal Fernández, rasgou elogios à primeira-dama em uma entrevista à rádio América. Disse que Cristina Kirchner tem "uns 65% de imagem positiva" e que tem todas as condições de ganhar já em primeiro turno. Segundo ele, a candidata "pode mostrar ao mundo uma Argentina com o aprofundamento de suas mudanças".

Em outra entrevista radiofônica, Alberto Fernández (ministro da Casa Civil) disse que Cristina representa uma "mudança importante" para o país. Mas afirmou ainda que ela "assume a continuidade de toda a política econômica do presidente Kirchner", embora frisasse que ela "também assumirá [o objetivo de] um avanço institucional da Argentina no mundo, algo que a preocupa enormemente".

As instituições ficaram um pouco abaladas no governo Kirchner já que, além do desapreço com a imprensa, o presidente argentino, entre outras coisas, ordenou uma intervenção sem precedentes sobre o órgão oficial de estatísticas (Indec), obrigando a uma mudança no cálculo da inflação que acabou com a credibilidade do instituto, dentro e fora do país.

Aníbal contou ainda que o presidente Kirchner pretende se dedicar a "construir um partido político moderno, à altura dos principais partidos políticos do mundo", após deixar o cargo em dezembro.

Segundo fontes da diplomacia brasileira, a candidatura de Cristina não poderia ser melhor para o Brasil. "As relações entre os dois países raramente estiveram tão bem. A senadora já demonstrou apreço pelo governo Lula, participando de praticamente todos os encontros entre Lula e Kirchner, na Argentina e no Brasil", afirmou um diplomata que pediu para não ser identificado. Ele lembrou também que, na última visita oficial de Lula à Argentina, em maio, Cristina fez questão de sair na foto com os dois, nos jardins do Palácio de Olivos.

No mercado financeiro, a notícia de que Kirchner não tentará a reeleição não teve grande repercussão. A Bolsa de Buenos Aires fechou em alta de 2%, a 2.234,8 pontos, e o peso fechou estável frente ao dólar, a 3,092. Mas o analista Francisco Prak, da corretora SBS, disse à agência Dow Jones Newswire que "no longo prazo, o mercado espera dela políticas diferentes das dele, em termos de melhora na oferta de energia e liberalização do controle de preços". A Argentina está atualmente em pleno racionamento de energia elétrica.

Na oposição, a recepção foi a mais cética possível. O candidato a presidente Roberto Lavagna, ex-ministro da Economia de Kirchner, disse em entrevista ao jornal "La Nación" que Cristina representa apenas uma mudança de cara, mas que o governo será o mesmo e que uma eventual gestão da senadora representará "uma sutil guinada à direita". O casal Kirchner se identifica como de esquerda.

Jornal Valor

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