Fantasia e realidade
Vale a pena ler o artigo do escriba tucano Mauro Chaves sobre os tucanos de São Paulo.
Fazendo abstração da realidade e tomando seus desejos por moeda corrente, discorre o escriba sobre o mundo rosa da harmonia conquistada (e desejada pelos escribas) no convés do PSDB: Kassab é prefeito de novo, Alckmin é governador de novo e Serra é presidente.
Só falta combinar com os russos, como dizia Garrincha, ou seja, o povo. Mas, antes do soberano se manifestar, os não menos tucanos Aécio Neves, Geraldo Alckmin e seus correligionários não parecem compartilhar o quadro "naif" de nosso escriba e também pintor, Mauro Chaves.
Pena para o ghost-righter da felicidade do casal Serra-Kassab, a história é um ménagè à trois e o terceiro não se deixa convencer do idílio. No mesmo jornal, no mesmo dia, Dora Kramer mostra que a fantasia "chavista" -encomenda correspondente ao desfecho que José Serra e seu pupilo Kassab gostariam de impor a Alckmin- é rejeitada pelo principal visado.
"Nothing personal" repete a exaustão Geraldo Alckmin, mas ele será candidato.
A seguir Mauro Chaves, jornalista, advogado, escritor, administrador de empresas e pintor. E-mail:mauro.chaves@attglobal.net e também Dora Kramer, jornalista.
Grande acordo dos tucanos
Mauro Chaves
Quando menos se esperava, os tucanos se salvaram do desastre e conquistaram, na undécima hora, perspectivas alvissareiras. O conflito entre alckmistas e serristas, sobre a sucessão municipal, já tinha gerado um clima insuportável, com ironias e menoscabos recíprocos - e cada vez mais indiscretos - lançados nas rodas de conversa.
Enquanto o grupo do ex-governador chamava o governador (para dizer o mínimo) de político de compromissos não confiáveis, o grupo do governador chamava o ex-governador (para dizer o mínimo) de especialista em cizânia. Os primeiros diziam que uma liderança como a de Alckmin não podia “ficar na chuva e no sereno”, sem mandato e sem alguma “vitrina” que lhe pudesse garantir espaço na mídia, o que seria um contra-senso para quem, do partido, lidera as pesquisas de intenção de votos para a Prefeitura de São Paulo.
Os outros retrucavam reiterando que a administração Kassab, toda montada por José Serra, é um sucesso que o partido não pode deixar de capitalizar. E que graças ao reconhecimento popular, em razão de ações administrativas de grande êxito - do tipo Operação Cidade Limpa -, o nome de Gilberto Kassab se impõe como jovem liderança e tem todas as chances de superar a popularidade derivada do recall - para usar termo que o ex-governador gosta muito de empregar, referindo-se à lembrança que o eleitor tem da eleição passada, que com o tempo se esvazia.
O conflito estava nesse pé quando o ex-presidente Fernando Henrique, fazendo mistura de reflexão acadêmica com experiência política presidencial, anunciou, de forma clara e direta, a grande estratégia que se apresentava aos desarvorados tucanos: a aliança com os Demos em torno da candidatura Kassab à Prefeitura, este ano, e o lançamento das candidaturas de Geraldo Alckmin ao governo do Estado e de José Serra à Presidência da República, em 2010.
Raciocinando sobre essa estratégia, as melhores cabeças tucanas logo chegaram à conclusão de que Kassab prefeito, Alckmin governador e Serra presidente (KALSE) significaria uma tríade representativa dos melhores valores político-administrativos que esses partidos aliados poderiam oferecer ao País. Mas os obstáculos a uma estratégia desse tipo seriam, primeiro, a desconfiança dos alckmistas quanto à garantia da candidatura de Alckmin. E se Serra resolver candidatar-se à reeleição ao governo do Estado? Um dos motivos óbvios para isso poderia ser a candidatura de Lula a um terceiro mandato presidencial - apesar de seus protestos em sentido contrario. Outro obstáculo seria a situação de “chuva e sereno” do ex-governador, por aguardar uma candidatura governamental sem dispor de posição pública de destaque.
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Nada pessoal
Dora Kramer
Na proporção de duas para cada cinco frases, o ex-governador Geraldo Alckmin repete que a decisão de se candidatar à Prefeitura de São Paulo “não tem caráter pessoal”. O que o PSDB decidir, diz, estará bem decidido.
Até apoiar uma aliança com o prefeito Gilberto Kassab?
Médio, nota-se pela avaliação dele sobre um cenário em que o PSDB se abstenha de concorrer em São Paulo: “Seria uma situação inédita e extremamente desfavorável para o partido, o eleitorado não aceitaria.”
Nada pessoal, só uma análise fria do quadro cuja definição final, no entendimento dele, carece de urgência e depende da vontade do partido e do desejo da população.
Considerando que a aferição popular se faz mediante pesquisas nas quais aparece hoje em primeiro lugar e que qualquer partido prefere ser protagonista que coadjuvante numa eleição, Geraldo Alckmin defende uma tese absolutamente em acordo com seu plano de vôo.
Plano este que pode ser mesmo administrar a cidade de São Paulo “para fazer o bem do povo”, mas no momento visa à inclusão partidária.
Alckmin nada diz - claro, não aborda a questão sob o prisma pessoal -,mas seus defensores explicitam: o “outro lado” na nação tucana avançou feito trator, imaginando que poderia deixá-lo de lado agora, mediante a promessa de garantia da vaga para a disputa do governo paulista, em nome da aliança estratégica com o Democratas, visando a arrumação de forças para a disputa presidencial de 2010.
E ser tratado como peça que se joga daqui para ali não estaria condizente com alguém que já foi governador duas vezes, candidato à Presidência, levando a disputa ao segundo turno com Lula, e dono de capital eleitoral expresso na liderança nas pesquisas.
Por isso a postulação de participar do jogo eleitoral desde agora. Na política o mercado futuro depende dos movimentos presentes, sob a regra geral de que o deslocamento faz a preferência e a paralisia abre espaço ao ostracismo.
Nada pessoal, insiste - “Não pretendo nada, o partido decide e fico honrado de meu nome surgir naturalmente” -, apenas um projeto político partidário como outro qualquer.
Legítimo, conforme reconhecem até os tucanos defensores da aliança com o DEM, mas sem dúvida um fator de perturbação na caminhada previamente organizada pelos adeptos da candidatura presidencial de José Serra: eleição de Kassab em 2006, candidatura de Alckmin para o governo de São Paulo em 2010.
Entre eles, o presidente Fernando Henrique Cardoso, que acha este o caminho a ser adotado.
Geraldo Alckmin não passa recibo. Não toma como crítica pessoal a posição de FH. “Ao contrário, foi muito positiva, abriu o debate dentro do partido.”
E a manifestação do governador José Serra dois dias depois, dizendo que a opinião de Fernando Henrique deveria ser levada em conta?
“Ótima. Significa um incentivo ao debate interno e uma honra a lembrança do meu nome para o governo do Estado em 2010.”
Então por que não seguir o roteiro por ele tido como o mais correto estrategicamente falando?
“Não é uma postulação pessoal nem se trata de fazer trocas de uma eleição pela outra. É uma decisão coletiva a ser tomada depois de muita conversa e reflexão.”
Diferentemente de seus correligionários que adotam um discurso firme contra qualquer possibilidade de composição, Alckmin pondera que nada na vida é inamovível. “Não precisa correria, a partida ainda está nas preliminares.”
Tem jogo diferente a ser jogado, então?
“Tudo pode acontecer, alianças se fazem no primeiro, mas também no segundo turno. Além do mais, divergências não significam rupturas, como ficou demonstrado na votação da CPMF. O partido divergiu e, no fim, votou unido.”
E agora, a unidade será feita em torno de quem, Kassab ou Alckmin?
“Depende do partido. Agora, se você quer minha opinião, acho muito difícil o PSDB se ausentar da eleição de 2008.” Nada pessoal, tudo muito profissional.
Leia a integra da coluna de Dora Kramer no jornal O Estado de São Paulo
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