Desigualdade até na pobreza
Nordeste reduz percentual de pobres menos que estados mais ricos.
No Rio, melhoria é recorde
Liana Melo, Cássia Almeida, Letícia Lins e Adriana Baldissarelli*
RIO, RECIFE e FLORIANÓPOLIS Apesar de cerca de seis milhões de pessoas terem ultrapassado a linha da pobreza em 2006, deixando de figurar entre as famílias que ganhavam, mensalmente, menos de R$ 125 per capita, o Brasil continua sendo um país de contrastes, com um Sul rico e um Nordeste pobre. Justamente em alguns dos estados que registram os menores índices de pobreza, a redução do problema foi mais acentuada. Depois de Mato Grosso do Sul, Santa Catarina foi o estado onde a taxa de redução relativa da pobreza foi maior: 26,3%.
No extremo oposto, está o Maranhão, com a menor queda da miséria (-9,73%), apesar de ter sido o estado com o maior ganho de renda no último ano (33,74%).
A conclusão é do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV-RJ), que produziu o estudo “Miséria, desigualdade e políticas de renda: o Real do Lula”, de autoria do economista Marcelo Neri. O levantamento foi feito com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad/2006), divulgada na semana passada pelo IBGE. O aumento do emprego formal e do salário mínimo e a expansão do programa Bolsa Família foram os responsáveis pelo incremento de 7,2% na renda do brasileiro, um dos indutores da redução da pobreza, juntamente com a queda da desigualdade.
O que surpreende é Santa Catarina estar entre os que mais reduziram a pobreza.
No estado, o percentual de pobres é de apenas 4,68% da população, o mais baixo do país. Enquanto isso, o Maranhão tem quase metade da população (44,23%) abaixo da linha de pobreza.
— O Nordeste não teve o resultado esperado (seis dos nove estados da região reduziram a pobreza numa intensidade menor que a média brasileira). Uma hipótese possível é que a alta do salário mínimo não teve tanto impacto. Lá, grande parte da população ganha menos que o mínimo — explicou Neri.O economista acredita que uma combinação de capital social e humano e pequenos produtores favoreceu Santa Catarina.
Sonia Rocha, estudiosa de pobreza e desigualdade do Instituto de Estudos de Trabalho e Sociedade (Iets), diz que houve um desematé penho desigual no Nordeste. E atribui a queda da pobreza ao mercado de trabalho, que teve papel fundamental para diminuir a pobreza no Brasil: — Talvez, o que tenha acontecido no Nordeste esteja relacionado ao Bolsa Família, que teve um impacto menor na redução da pobreza no ano passado, já que o valor do benefício foi mantido. Ou seja, perdeu poder de compra. Mesmo com pouca inflação, houve corrosão.
Morador de Ipojuca, em Pernambuco, Clóvis Vitorino Rosa, 40 anos e quatro filhos, sente em casa a melhoria do rendimento, embora seja um pobre trabalhador do corte de cana. Ele afirma que hoje consegue comprar mais do que antigamente, e que o salário que recebe, embora não seja alto, tem sido suficiente para o sustento da família, o que antes não ocorria.
— Hoje, consigo comprar mais mercadoria do que antigamente.
Tem sempre feijão, arroz, farinha e desematé carne em casa. Isso antes não acontecia — afirma ele, cujo salário cresceu 15,72% nos últimos dois anos.
Além disso, Rosa, a mulher e os filhos engordam sua renda com os R$ 95 do Bolsa Família, benefício social que tem um grande peso na economia do Nordeste, principalmente nas áreas rurais.
Ganho de renda no Rio só perde para o de Belo Horizonte
No Sul do país, para a catarinense Fabíola Silva Leite, a passagem da situação de miséria não está marcada na carteira de trabalho nem em extrato de conta bancária. Esses documentos ainda lhe faltam. A prova de que conseguiu romper a linha estatística é o carnê de uma loja de departamentos. Há quatro meses, pela primeira vez na vida, ela conseguiu obter crédito formal. Acertou seis parcelas de R$ 30 e comprou o sonhado aparelho de DVD para o lazer da família.
— Só faltam duas prestações.
Nunca imaginei que iria conseguir. Fabíola faz a triagem de materiais recicláveis da Associação Recicladores Esperança (Aresp) há um ano e oito meses. Quando chegou à equipe, conseguia uma renda de R$ 35 por semana. Nos últimos meses, fatura mais, em torno de R$ 400 por mês: — Todo o dinheiro é para a comida. A gente pensa primeiro na barriga dos filhos, não sobra para comprar roupa.
Outro desempenho regional que chamou a atenção foi o do Rio de Janeiro. Segundo André Urani, do Iets, a Região Metropolitana do Rio, que concentra 75% da população fluminense, reduziu em 19,28% o número de pobres.
O que significou menos 600 mil pessoas ganhando até R$ 183 (a linha de pobreza do Iets é diferente da usada pela FGV). Na indigência (R$ 92 de ganho domiciliar per capita), a queda foi ainda maior: 24,8%. No ganho de renda, o Rio, com alta de 12,23%, só ficou atrás de Belo Horizonte.
— O Rio saiu-se melhor que o Brasil, na renda, na pobreza e na indigência. E a Região Metropolitana, em crise há mais de dez anos, renasceu. Cresceu mais que o resto do estado nesses indicadores, invertendo tendência de quase uma década — disse Urani.
(*) Especial para O GLOBO
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