sábado, 22 de setembro de 2007

Balanço da derrota de Jospin em 2002

As conclusões de meu artigo de 2002, publicado pelo CEBRAP, sobre o governo Jospin e sua derrota em 2002

AONDE VAI FRANÇA?

Ante de tentar estabelecer algumas coordenadas do que pode vir a ser a evolução da situação política na França, gostaria insistir sobre um erro capital, a meus olhos, cometido por Lionel Jospin recusando-se a provocar a ruptura antecipada da coabitação. Novo paradoxo, pois ele queixou-se durante estes anos das limitações impostas pela coabitação e não fazia segredo que aguardava com ansiedade o momento em que poderia ao fim confrontar-se com seu adversário de direita.

Porem Jospin deixa passar uma oportunidade maior na discussão da reforma da justiça para por um termo a coabitação em condições favoráveis para ele e esclarecedoras para a sociedade francesa em seu conjunto.

Os diversos escândalos político-financeiro e as tentativas de abafá-los, tanto nos governos de esquerda como de direita, tinham sensibilizado fortemente a opinião pública sobre a necessidade de cortar o vinculo entre a hierarquia do aparelho judicial e o poder político. Esta ruptura faz parte do programa da Esquerda Plural e também corresponde ás conclusões de um relatório solicitado pelo presidente Chirac a uma comissão independente presidida pela maior autoridade da magistratura francesa .

Após acordo entre o primeiro ministro Jospin e o presidente Chirac, este último conforme as prerrogativas do presidente e a necessidade de mudança na constituição para criar uma justiça independente, decide convocar sessão extraordinária do congresso. Porem, nos dias que precedem o evento os deputados da direita manifestam sua oposição a qualquer reforma do atrelamento do poder judiciário ao poder político. Chirac cede a sua própria base e anula a reforma da constituição; Jospin limita-se a constatar que a direita é contra a independência da justiça.

Naquele momento Jospin podia ter recusado a capitulação de Chirac e apresentado sua demissão. Pondo um fim a coabitação, mostrando que ela não esta acima dos principio éticos e dos compromissos eleitorais, Jospin teria precipitado eleições legislativas ou pelo menos ganho a liberdade, fora do governo, de preparar sua candidatura presidencial.

A França é o país político por excelência. A historia do país mostra que os processos sociais assumem sua forma mais apurada e clássica. A revolução francesa de 1789, a Comuna de Paris, o golpe de estado de Louis Bonaparte criando o bonapartismo (Cesarismo dos tempos modernos) o parlamentarismo da III Republica e até o maio de 1968. Mais visível aparece aqui a relação entre classes sociais, relações de força entre os diversos segmentos da sociedade e sua tradução jurídico institucional representada pelo Estado e suas instituições.

A V Republica outorga ao Presidente eleito pelo sufrágio universal enormes poderes acima do parlamento. É ele que escolhe o Primeiro Ministro e pode exonerá-lo, dispondo do poder de dissolução da Assembléia e de convocar eleições. O Presidente tem a prerrogativa de convocar o congresso para qualquer modificação da Constituição, da qual é o garante. O equivalente das nossas MP, as Ordenanças do governo têm que levar sua assinatura e ele pode recusar-se como fez Miterrand com Chirac na primeira coabitação. O Presidente, em fim, é o comandante em chefe das forças armadas e o representante da nação, em particular no exterior. Ao mesmo tempo a eficiência deste sistema institucional depende da consonância entre o Presidente e a maioria da Assembléia. O governo pode ser mudado, mudando de Primeiro ministro sem modificar a maioria estável no parlamento e preservando assim o presidente Bonaparte da usura quotidiana de governo, intervindo como recurso para o descontentamento popular e preservando em permanência suas próprias prerrogativas acima de qualquer instancia ou julgamento.

Pois bem, para que a V Republica funcione sem atritos maiores a correspondência entre a maioria de direita atual e o Presidente encontra-se estabelecida. Mas a chave das instituições é dada pela legitimidade do sufrágio universal do Presidente e, como tenho explicitado neste artigo, o atual Presidente não expressa verdadeiramente a maioria do país. No lugar de um Presidente forte pela sustentação eleitoral e pelos poderes conferidos pelo povo, temos uma presidencia fraca e rejeitada pela maioria. Isto é valido para a própria representação parlamentar. Paradoxalmente a direita concentra hoje todos os poderes na suas mãos, desde o Conselho Constitucional, o Senado, a Assembléia e a maioria das coletividades locais, nunca ela esteve tão forte no comando das instituições (tal vez equivalente a 1962-65) e nunca ela foi tão minoritária no país real.

Está contradição é portadora de grandes conflitos e de crise. À esquerda, pelo motivo evocado acima, poderá rapidamente voltar ao centro do cenário político, mas isto exigirá um trabalho árduo de refundição política, organizacional e teórica. Pelo lugar majoritário que o Partido Socialista tem no seio da esquerda e pela sua própria historia recente, caberá a ele a responsabilidade principal desta reconstrução de uma esquerda reformadora com vocação de governo e espírito militante.

Como diz em conclusão o editorial do Le Monde já citado: “Pour que ce beau pays qu’est la France, avec toutes les couleurs qui l’habitent et qui forgent déjà son avenir, garde le cap de la raison et du progrès ».

Luis Favre

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