Ao alcance de todos
Governo anuncia mecanismos para tornar o turismo mais acessível à população, transformando-o em instrumento de inclusão social
Sérgio Adeodato
Revista Host junho/julho 2007
Até bem pouco tempo atrás, a assistente administrativa paulistana Sílvia Alves de Albuquerque,30 anos, não imaginava entrar para as estatísticas do turismo no Brasil. Ser recebida com tapete vermelho na porta do avião, desfrutar mordomias à beira de uma piscina de hotel, esbaldarse no bufê do café da manhã, comprar suvenires e conhecer culturas e sotaques diferentes parecia um sonho distante e impossível.
“Relaxar nas férias longe das preocupações era um luxo sempre adiado”, diz Sílvia, que decidiu ousar. Ao lado do marido, Everton Aragão Leite, 29 anos, deixou para
depois o plano de alugar um novo apartamento, organizou as contas domésticas, pesquisou oportunidades, planejou tudo com cuidado e acabou conquistando um pouco do
mundo a que tinha acesso apenas pela TV.
E assim foi: aproveitando 12 dias de férias coletivas no fim do ano passado, os dois partiram de São Paulo como turistas rumo a Porto Seguro (BA). O hotel de frente para
o mar foi contratado através de uma operadora. A passagem aérea de volta, emitida via promoção na internet – tudo parcelado em várias vezes. No total, gastaram R$ 3
mil. “Na ida viajamos de carro a gás, o que reduziu bastante o custo, para conhecer praias ao longo do caminho e visitar familiares em Vitória (ES), esticando a viagem até Salvador e litoral norte da Bahia”, conta Sílvia. Banhos de mar em piscinas naturais, descanso sobre espreguiçadeiras com drinques à mão, degustação de peixes frescos, visitas exóticas às aldeias dos índios pataxós – as lembranças daqueles dias estão sempre presentes na vida do casal. A primeira viagem, afinal de contas, a gente nunca esquece.
Animada com a experiência, a dupla dá asas aos novos planos e já escolheu o próximo destino, o primeiro internacional:Punta del Este, no Uruguai. Sílvia e Everton compõem um novo contingente de brasileiros que começam a viajar. São consumidores antes excluídos do turismo – jovens, estudantes, aposentados e trabalhadores de renda mais baixa.Trata-se de uma parcela da população que ganha força na economia e
chama a atenção do mercado, principalmente diante das freqüentes declarações da ministra do Turismo, Marta Suplicy, desde que assumiu o cargo, em março deste ano, prometendo levar o turismo para todos e torná-lo instrumento de inclusão social.
O caminho é longo. O brasileiro ainda gasta pouco com turismo. Entre 2002 e 2003, as viagens representaram apenas 1,66% do total de despesas das famílias brasileiras, segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgada neste ano. Em linhas gerais, no entanto, os números já indicam que o turismo está se tornando mais popular no país, de acordo com recente estudo do Ministério do Turismo e da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe).
A partir de estimativas sobre a propensão a viajar de 37 mil domicílios urbanos brasileiros com renda superior a um salário mínimo, a pesquisa detectou que, em 2001, devem ter sido realizadas 40,5 milhões de viagens pelas residências. Em 2005, o número atingiu 51,3 milhões. Contando que, naquele ano, 2,72 pessoas declararam viajar em média por domicílio, o estudo revelou que no Brasil existem aproximadamente 43,2 milhões de consumidores de turismo.
O número parece estupendo, mas é modesto tendo em vista que o país tem 96 milhões de habitantes economicamente ativos, segundo dados do IBGE. Os desafios são grandes.
Além de absorver essa expressiva fatia ainda excluída do turismo, há outras
barreiras a vencer. Uma delas é inserir as viagens dos brasileiros dentro
da cadeia do turismo.
Atualmente,quase metade dos brasileiros que viajam (49,7%) tem como destino o mesmo estado e utiliza principalmente o transporte rodoviário em percursos não superiores a 300 quilômetros. E a maioria objetiva visitar amigos e parentes.
A intenção do Ministério do Turismo é criar políticas, mecanismos e incentivos para
esses consumidores irem mais longe e permanecerem mais tempo fora de casa, movimentando, dessa maneira, meios de hospedagem, transporte, restaurantes e toda a cadeia produtiva do turismo. A questão, que inclui os esforços para fazer o brasileiro viajar mais, é o tema central do Plano Nacional de Turismo 2007-2010,
anunciado recentemente pelo presidente Lula.
Crédito com juros baixos
O principal instrumento proposto pelo governo para tornar o turismo mais acessível à população é a oferta de empréstimo consignado, com desconto na folha de pagamento.
Um sistema nesses moldes está sendo negociado entre o Ministério do Turismo e a Caixa Econômica Federal (CEF). A previsão é lançar inicialmente uma linha de financiamento com juros de 1,3% ao mês para aposentados.
No segundo momento, o projeto é estender o empréstimo para os trabalhadores em geral. O único modelo de crédito hoje existente é o Cartão Caixa Turismo, lançado em dezembro do ano passado.Trata-se de um cartão de crédito da bandeira MasterCard, que não atinge propriamente as classes de renda mais baixa. O cartão oferece aos clientes do banco com renda mensal acima de R$ 500 a opção de financiamento para despesas realizadas em estabelecimentos ligados ao setor turístico, como hotéis, pousadas, companhias aéreas, restaurantes, agências de viagens, locadora de automóveis e parques temáticos conveniados.
O prazo de pagamento é de até 24 meses, com taxas de juros que variam de 2,9% a 3,8% ao mês.
De olho nesse novo mercado que se abre, a operadora CVC tomou a dianteira e lançou, no final de maio último, um plano próprio de crédito consignado para aposentados e pensionistas do INSS. Em parceria com o Bradesco/BMC, o mecanismo permite o pagamento dos pacotes
turísticos em até 36 vezes.
“A nova modalidade segue a filosofia de sempre formatar produtos que caibam no bolso do consumidor”, destaca Valter Patriani, presidente da operadora – hoje a maior do país, que nasceu há 36 anos exatamente no campo do turismo social, organizando excursões rodoviárias em grêmios de trabalhadores.
Para os críticos, iniciativas de crédito nessa linha, embora tenham a intenção positiva de facilitar o acesso ao lazer e ao turismo, podem ser uma armadilha para os aposentados.
“Esse dinheiro emprestado vai ser descontado na conta corrente do 'turista', que já é obrigado a viver com os parcos recursos da Previdência Social”, adverte o consultor Milton Dallari, presidente da Associação dos Aposentados da Fundação Cesp. “Em vez de estimular esse crédito e mais dívidas para os idosos, o governo deveria criar mecanismos para baratear os roteiros turísticos”, propõe.
Supérfluo vira necessidade
Aprimorar o sistema de transportes é um desses caminhos. Para isso, o Ministério do Turismo conta com a realização das obras de infra-estrutura previstas pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Mas alavancar o turismo doméstico exige outros cuidados, como a informação, essencial para dar suporte a uma mudança de cultura por parte dessa parcela da população que começa a viajar. “O aumento do poder aquisitivo do brasileiro, a estabilidade da economia e a criação de
melhores condições de vida são decisivos nesse processo”, avalia o pesquisador Ivan Bursztyn, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Nos últimos anos, mais de 8 milhões de pessoas já saíram da pobreza e são hoje classe média, pelos cálculos do governo.“Somente quando as contas estão pagas, a geladeira cheia e a educação dos filhos garantida é que a maioria dos brasileiros pode pensar em gastar com viagens”, explica Bursztyn.
Dessa maneira o lazer, antes supérfluo, passa a ter um novo status – uma necessidade para se
alcançar melhor qualidade de vida. O maior acesso à informação, mediante novas tecnologias ligadas à internet, ajuda a popularizar o turismo.
São peças-chave na guerra de promoções e tarifas entre as empresas dos diversos setores turísticos, em benefício dos consumidores. De passagens aéreas vendidas a preços de um prato de comida (por meio do acesso à internet durante a madrugada e fins de semana) a tarifas de hotéis reduzidas na baixa estação, as opções para viajar mais gastando menos são hoje bem diversificadas.
Até mesmo cruzeiros marítimos, no passado um luxo restrito aos mais ricos, hoje são acessíveis à classe média. “Neste setor, o Brasil está liderando uma revolução”, afirma Eduardo Nascimento, presidente da Associação Brasileira das Empresas Marítimas (Abremar). Com viagens de navios parceladas em até dez vezes sem juros, o mercado se abre para os turistas mais jovens. “Com o empréstimo consignado, esse mercado que se populariza pode crescer 50%”, estima Nascimento.
No setor hoteleiro, as notícias também são boas. Há quatro anos, apenas 18% das pessoas que viajavam pelo país se hospedavam em hotéis e pousadas – o restante ficava em casas
de parentes e amigos. Em 2006, segundo a Fipe, o número aumentou para 28%. “É um crescimento substancial, mas ainda longe do ideal”, ressalta Eraldo Cruz, presidente da
Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH). A rede hoteleira, em sua opinião, já está preparada para receber esses turistas de classes mais baixas.Até 2009, a contar pelos projetos
hoje em andamento, serão investidos mais de R$ 3,6 bilhões em hotéis.
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