quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Barreira sexual pesa mais que a racial


Gloria Steinem*

A mulher em questão tornou-se advogada depois de alguns anos como organizadora comunitária, é casada com um advogado de corporação e mãe de duas garotinhas de 9 e 6 anos. Ela é filha de mãe americana branca e pai africano negro - neste país preocupado com raça, ela é considerada negra -, serviu num Legislativo estadual por oito anos e se tornou uma voz inspiradora da unidade nacional.

Honestamente: você acredita que essa é a biografia de alguém que poderia ser eleito para o Senado americano? Após menos de um mandato ali, acredita que ela poderia ser uma candidata viável para presidir a nação mais poderosa da terra?

Se respondeu não às duas perguntas, você não está sozinho. O gênero é, provavelmente, a força mais limitadora na vida americana, seja na questão de quem deveria estar na cozinha ou quem poderia estar na Casa Branca. Os EUA estão mal posicionados na lista de países que elegem mulheres e, segundo um estudo, polarizam papéis de gênero mais do que uma democracia média.

É por isso que a primária de Iowa estava acompanhando nosso padrão histórico de mudança. Homens negros receberam o direito ao voto meio século antes de mulheres de qualquer raça terem permissão para marcar uma cédula eleitoral - e, em geral, eles ascenderam a posições de poder antes de qualquer mulher.

Se a advogada descrita aqui fosse tão carismática quanto Barack Obama, mas se chamasse, por exemplo, Achola Obama, ela já estaria liquidada há muito tempo. Aliás, nem ela nem Hillary Clinton poderiam ter usado o estilo público de Obama - ou de Bill Clinton, tampouco - sem ser consideradas emotivas demais pelos figurões de Washington.

Então, por que a barreira do sexo não é levada tão a sério quanto a racial? As razões são tão difundidas quanto o ar que respiramos: porque o sexismo ainda é confundido com natureza, como o racismo foi um dia; porque tudo que afete os homens é visto como mais sério do que qualquer coisa que afete “somente” a metade feminina da raça humana; porque os filhos ainda são criados principalmente por mulheres, de modo que os homens tendem a sentir que estão regredindo à infância quando lidam com uma mulher poderosa; porque o estereótipo racista de os homens negros serem mais “másculos” prevaleceu por tanto tempo que alguns homens brancos consideram a presença deles uma afirmação de masculinidade (desde que não sejam muitos); e porque ainda não há uma maneira “certa” de ser uma mulher no poder público sem ser considerada você sabe o quê.

Não estou defendendo uma competição sobre quem enfrenta a maior dureza. Os sistemas de casta de sexo e raça são interdependentes e só podem ser extirpados juntos. É por isso que Hillary e Obama precisam tomar cuidado para não permitir que um debate saudável se transforme no tipo de hostilidade que a mídia adora. Ambos precisarão de uma coalizão com pessoas de fora para vencer uma eleição geral. Os movimentos abolicionista e sufragista progrediram quando se uniram, e foram debilitados pela divisão.

Estou apoiando Hillary porque, como Obama, ela tem experiência em organização comunitária, mas também tem mais anos no Senado, o fato sem precedente de oito anos de treinamento na Casa Branca, nenhuma masculinidade a provar, o potencial de explorar o imenso reservatório de talento deste país com seu exemplo e, agora, até mesmo a coragem de quebrar a regra que não admite lágrimas. Não sou contra Obama; se ele for nomeado, serei voluntária. Aliás, se olharmos suas votações nos dois anos em que ambos compartilharam o Senado, elas foram idênticas mais de 90% das vezes. Além disso, para limpar a confusão deixada pelo presidente George W. Bush, podemos precisar de dois mandatos da presidente Hillary e dois do presidente Obama.

O que me preocupa, porém, é que ele é visto como unificador por sua raça enquanto ela é vista como uma divisora por seu sexo. O que me preocupa é que ela é acusada de “jogar a carta do gênero” quando cita grupos de favorecimento, enquanto ele é visto como unificador ao citar confrontos pelos direitos civis. O que me preocupa é que os eleitores masculinos de Iowa foram vistos como imparciais sobre gênero ao defenderem o seu, enquanto as eleitoras mulheres foram vistas como parciais se o fizeram e desleais se não.

O que me preocupa é que os repórteres ignoram a dependência de Obama do velho - por exemplo, as freqüentes comparações de campanha com John F. Kennedy, embora Teddy Kennedy esteja apoiando Hillary -, enquanto não questionam a calúnia de que as políticas progressistas dela são parte do status quo de Washington. O que me preocupa é que algumas mulheres, especialmente as jovens, esperam negar ou escapar do sistema de casta sexual; assim as mulheres de Iowa acima de 50 e 60 anos, que apoiaram desproporcionalmente Hillary, provaram uma vez mais que as mulheres são o único grupo que fica mais radical com a idade.

Este país já não pode dar-se ao luxo de escolher líderes de um reservatório de talentos limitado por sexo, raça, dinheiro, pais poderosos e diplomas universitários. Já é hora de termos o mesmo orgulho por quebrar todas as barreiras. Precisamos ser capazes de dizer: “Eu a estou apoiando porque ela será uma grande presidente e porque ela é uma mulher.”
*Gloria Steinem é co-fundadora do Women’s Media Center

Nenhum comentário: