sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Rabo preso?

O jornal O Estado de São Paulo está furioso. Seu editorial de hoje é um panfleto de indignação ao abordar a questão das concessões rodoviárias.

Você dirá que a indignação é justificada visto a enorme diferença de preço entre os pedágios estaduais e o resultado do recente leilão federal.

Você também está bravo, porque pensava - quando pagava o pedágio em alguma estrada paulista - que era inevitável esse preço para dispor de pistas seguras e bem cuidadas.

O próprio governo estadual disse agora que vai reavaliar se mantém o mesmo sistema nas próximas concessões, previstas de aqui à alguns dias, percebendo talvez que o sistema praticado anteriormente era um abuso e uma verdadeira privataria.

E bem, meu amigo, você está enganado. O editorial do Estadão está furioso é com sua indignação, a da OAB e das associações de defesa do consumidor. Está bravo com Lula e o PT.

Como ousam comparar, disse o jornal, fustigando a demagogia e a confusão. Comparar tarifas é um despropósito, afirma. Enquanto a manifestação do TCU de revisar os preços estabelecidos nas privatizações federais anteriores, ele considera surpreendente este interesse.

Então vamos lá: "Fúria arrecadatória", "aumento de impostos", "abuso tarifário graças ao monopólio", "abandono e descaso com dinheiro público"; em algum momento você já viu essas manchetes, porém quase nunca em relação às concessões rodoviárias dos tucanos em São Paulo. Mas elas se aplicam todas muito bem ao sistema implantado nas estradas pedagiadas do Estado.

Primeiro, os pedágios paulistas tiveram um reajuste acima da inflação de quase 200%, "justificado" pela utilização nos contratos do índice baseado na taxa de câmbio (IGPM) e não no IPCA que mede oficialmente a inflação no pais. Quando o IGPM é usado para a dívida que o governo estadual tem com a União, o jornal defendeu a sua mudança, incluso com efeito retroativo. Por que não ter a mesma postura quando concerne os pedágios estaduais?

Segundo, o sistema implementado em São Paulo é o da outorga. O leilão não procura a oferta de pedágios mais baratos, mas o pagamento ao Estado do valor mais elevado. Este sistema reforça o caixa dos governos e penaliza os usuários que vão restituir com pedágios mais caros o valor pago pela empresa ganhadora, além do lucro esperado pela empresa na operação. Uma forma indireta de arrecadação impositiva. Objeto permanente de crítica da parte do Estadão, esta forma de aumento da carga tributária neste caso é passada sob silêncio.

Terceiro, os preços dos pedágios mais caros, aplicados ao transporte de mercadorias, se traduz em aumento dos preços dos produtos. Os consumidores arcam assim, além dos usuários das estradas pedagiadas, com os custos das concessões.

Quarto, o dinheiro que entra nos cofres estaduais pela outorga não tem servido, senão muito pouco, para melhorar a malha rodoviária. Segundo levantamento da bancada estadual do PT, só 22% do total aplicado pelo Estado nas rodovias e estradas vicinais é feito com dinheiro próprio, o resto é empréstimos que aumentam o endividamento público e pesam nos impostos.

A tal ponto que recentemente o governador Serra solicitou um aumento do endividamento para poder contratar um empréstimo de mais de 1 bilhão de reais para aplicar em recuperação da malha rodoviária, malha qualificada pelo secretário de transporte estadual como "péssima". (ver aqui no Blog O rei está nu).

Que o governo federal tenha demorado demais para fazer os primeiro leilões, que setores do PT tenham ojeriza a concessão à empresas privadas da gestão de bens públicos, que as estradas paulistas privatizadas são as melhores do Brasil (o que também eram quando eram gratuitas) nada disso invalida o que estamos discutindo.

O que está em debate na comparação entre os dois sistemas é qual é o interesse público.

O debate "ideológico" e as simpatias políticas com o PSDB não deveriam ofuscar um mínimo de objetividade, mesmo para um editorial do Estadão.

Luis Favre


Editorial do jornal O Estado de São Paulo

Pedágio, demagogia e confusão

Começou cedo, e recheado de impropriedades, o falatório sobre os valores de pedágio das novas e das velhas concessões de rodovias. Um dia depois das últimas licitações, o Tribunal de Contas da União (TCU) anunciou a intenção de investigar as tarifas cobradas nas estradas federais já operadas por empresas privadas. Houve também manifestações em nome da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), da Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor do Ministério Público Paulista e da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor.

O tom geral da conversa foi o previsível: se as novas concessões foram negociadas com tarifas tão baixas, será preciso reexaminar os velhos contratos e, naturalmente, reduzir a diferença ou igualar os pedágios. Não é preciso acusar a ministra Dilma Rousseff de oportunismo político, autopromoção ou demagogia. Basta admitir, como hipótese, uma confusão alimentada pela melhor das intenções.

Ponto preliminar: talvez as tarifas cobradas em rodovias concedidas nos primeiros leilões sejam excessivas e se possa baixá-las sem violar os contratos. Talvez se possa, também, renegociar esses contratos sem comprometer a segurança econômica da operação. Tudo isso é hipotético, mas é em princípio razoável. Sem sentido e beirando o nível do besteirol é comparar valores negociados em contratos muito diferentes. Os primeiros, mais altos, foram determinados com base em concessões onerosas. As empresas participantes dessas licitações pagaram - ou continuam pagando - pelo direito de exploração das estradas. Além disso, comprometeram-se a realizar investimentos em prazos curtos.

Dessas condições decorreram os cálculos de amortização e de retorno. Os números teriam sido diferentes, e presumivelmente mais baixos, se a rentabilidade negociada tivesse sido menor. Mas os critérios das projeções seriam os mesmos.

Os novos contratos foram baseados em padrões diferentes. As concessionárias não têm de pagar pela exploração dos serviços. A disputa foi baseada na oferta das melhores tarifas para o usuário. A pergunta de uma das fontes citadas em reportagem do Estado - “como os vencedores conseguiram oferecer um preço tão mais baixo?” - só tem sentido quando se consideram essas diferenças e as características das novas licitações.

A comparação direta entre as tarifas das velhas e das novas concessões, sem essas qualificações, é na melhor hipótese um despropósito.

O ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, chamou a atenção para a diferença dos critérios, numa entrevista a uma emissora de rádio. Deixou evidente, em suas declarações, a impropriedade da simples comparação entre tarifas definidas em condições muito distintas.

A maior parte dos cidadãos provavelmente ignora essas minúcias. Motoristas poderão ficar indignados ao verificar as diferenças entre as novas tarifas e aquelas cobradas em rodovias exploradas há mais tempo pelo setor privado. Nem todos notarão, quase certamente, a diferença entre os prazos de realização de investimentos. Mas todos, concordando ou não com o valor do pedágio pago nos últimos anos, devem ter notado a melhora das condições de conforto e de segurança nas estradas entregues à administração particular. (Toda essa argumentação é válida para os pedágios de São Paulo.)

Técnicos do TCU, da OAB, do Ministério Público e de entidades de proteção do consumidor não deveriam desconhecer ou menosprezar as amplas diferenças entre as condições dos contratos. Sem esse cuidado, apenas conseguirão, com suas declarações e iniciativas legais, confundir a opinião pública e alimentar a exploração demagógica de fatos mal conhecidos pela maior parte dos cidadãos.

Quanto ao TCU, é surpreendente seu interesse pelos velhos contratos de concessão tantos anos depois de assinados, postos em vigor depois de submetidos ao crivo dos organismos de controle da administração pública.

O próprio governo federal demorou para definir os critérios das novas licitações. A demora não se deveu somente à longa discussão sobre a taxa de retorno dos investimentos. No início, nem mesmo estava certo o abandono da negociação com outorga onerosa. A decisão só foi sacramentada quando o presidente da República interveio na discussão. Se o novo modelo de exploração dará bom resultado só se saberá dentro de algum tempo.

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