sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Recaída

Celso Ming para O Estado de São Paulo (para assinantes)

O assunto do dia não é o novo corte dos juros, mas a recaída inflacionária.

Ainda é preciso observar melhor esse movimento para identificar a natureza da estocada. Mas dá para dizer que os indícios são de que a forte procura por bens e serviços está permitindo que a inflação de demanda ponha a cabeça para fora da toca.

Os economistas identificam dois tipos de inflação. O primeiro é o de custos. Simplificadamente, é a alta de preços que decorre de fatos sazonais ou fortuitos. É geada que estraga a produção de verduras; um furacão, como o Katrina, de 2005, que desorganiza a produção de petróleo numa região importante; a seca que quebra a safra. Essa inflação não tem a ver com o volume de dinheiro da economia e, portanto, não pode ser rebatida com alta dos juros. Ocorre por elevação dos custos ou queda da oferta.

O outro tipo é a inflação de demanda. Aparece quando o poder aquisitivo do consumidor aumenta mais do que a oferta de bens e serviços. Agora, por exemplo, a massa salarial está se expandindo mais do que o PIB. Pelas contas do Dieese, vem crescendo a 7,6% ao ano. Em parte, isso é efeito do aumento de 8,6% do salário mínimo deste ano (de R$ 380). O crédito para pessoas físicas está se expandindo a 25%. E os juros, em queda desde setembro de 2005, despejam cada vez mais dinheiro na economia. A expansão do consumo está perto dos 10%. A indústria de veículos festeja vendas 27,4% maiores neste ano.

Um sinal de alerta saiu dia 5, com a divulgação de um avanço surpreendente do Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna (IGP-DI) em agosto, de 1,39%. Este não é o termômetro oficial de inflação. Sua metodologia dá peso enorme (60%) para a evolução dos preços no atacado. Mas é aí que está o ferrão. Na ponta atacadista, em 30 dias os preços saltaram 1,96%, uma enormidade diante do 0,37% de julho.

O IPCA, este sim o índice levado em conta pela política de juros, avançou menos: 0,47%. Mas esse número aponta para dois fatos inquietantes. O primeiro é o de que, ainda que mais baixo do que o do avanço do IGP-DI, é o dobro do visto em julho (0,24%). O risco é o de que essa alta seja repassada para o custo de vida, com base na regra de que o atacado de hoje é o varejo de amanhã.

Quando se fala da ameaça de inflação, os de sempre logo disparam: “Por que essa obsessão com uma esticadinha dos preços, especialmente quando a inflação está no seu ponto mais baixo em mais de 50 anos? Deixe que os mortos enterrem seus mortos...”

Aí tem duas coisas. A primeira é que é mais fácil matar a cobra no ovo do que no capinzal. Segunda, o governo Lula já entendeu qual é o preço de uma escapada da inflação e a recompensa eleitoral por evitá-la. Ele não vai deixar que, no ano que vem, quando serão escolhidos perto de 6 mil prefeitos, a inflação corroa o poder aquisitivo do eleitor. E isso pode implicar juros caindo mais devagar. Ou deixando de cair.

Tomara que também aqui o pessoal da Associação dos Alcoólicos Anônimos tenha razão. Dizem eles que as recaídas são parte do processo de recuperação.

Nenhum comentário: