quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Marcos Valério, o operador de aluguel



Jornal Valor

O empresário Marcos Valério não era simplesmente um operador petista, mas um profissional do ramo de lavagem de dinheiro e montagem de caixa 2 para campanhas eleitorais. E profissional dessa área não tem partido: o dele é o que está no poder e o contrata. Essa é uma obviedade desde 2005, quando o empresário passou a ser investigado como operador de um "mensalão" que teria irrigado o caixa 2 do PT e de seus aliados nas eleições municipais de 2004. Afinal, no meio das investigações apareceu ninguém menos do que o senador Eduardo Azeredo (MG), então presidente do PSDB de Fernando Henrique Cardoso. Ou melhor, veio à tona o caixa 2 que irrigou o PSDB mineiro e seus aliados na campanha de Azeredo pela reeleição para o governo de Minas, em 1998.

O PSDB nacional e o próprio interessado estabeleceram uma diferenciação sutil entre o caso do PT e o de Azeredo, segundo a qual os petistas e seus aliados pecaram porque supostamente teriam usado o dinheiro para pagar mesadas aos aliados e o ex-governador de Minas, como não teria dado mesada, era inocente. O PSDB afastou docemente Azeredo da presidência, juntou-se ao PFL num discurso agressivo contra o PT e o governo Lula, a mídia embarcou e o caso ficou esquecido até agora.


Por quase dois anos a oposição tratou o caso do mensalão como uma anomalia introduzida pelo PT no sistema político. A udenização do discurso oposicionista no auge da crise política beirou o golpismo. Agora, a mesma PF que indiciou os envolvidos do PT e de seus aliados concluiu o inquérito do "valerioduto" mineiro e chegou à conclusão de que este é um esquema muito mais complexo, pois envolveu mais de 150 políticos, 17 partidos e um total de R$ 100 milhões movimentados nas eleições de 1998 sem conhecimento da Justiça Eleitoral. O presidente do PT nacional à época do mensalão, José Genoíno, está sendo processado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e, ao que tudo indica, pecou principalmente por omissão. O presidente do PSDB de então era Eduardo Azeredo, beneficiário do mesmo esquema em 1998. Os partidos de ambos usaram os mesmo recursos de captação e lavagem de dinheiro. A única diferença é que o PSDB de Minas precedeu o PT nacional no uso dos préstimos de Marcos Valério.


Esses são os fatos - que, aliás, ao serem aqui expostos não têm nenhuma intenção de inocentar o PT pelo uso do caixa dois e captação ilegal de dinheiro nas eleições de 2004. Pelo contrário. É sabido que o PT abandonou a campanha de militância e embarcou no esquema tradicional de captação de dinheiro quando tornou-se "pragmático" e foi atrás de recursos para "profissionalizar" suas campanhas eleitorais. Não é mérito nenhum ter feito a opção de se tornar mais um entre os partidos que já se utilizavam desse expediente.



Valerioduto mineiro foi subestimado pela mídia


A discussão que se coloca agora, findo o trabalho da PF e quase terminado o do procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza - que deverá oferecer denúncia contra os clientes mineiros de Marcos Valério nos próximos dias - é se a disputa política justifica eticamente a assimetria como foram tratados os dois casos, quer pela oposição, quer pela imprensa.


Quando os especialistas analisam as razões pelas quais o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ganhou na disputa pela reeleição, no ano passado, devem incluir mais uma: para o grande público, e não para a restrita "opinião pública" integrada pelos mais escolarizados, a hipocrisia do discurso dos oposicionistas, militantes da política tradicional desde sempre, ou quase isso, estava patente. "A conversa deles é dizer que a questão moral não conta mais. Conta sim. Ladrão, não mais", discursou para seus correligionários energicamente o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Em entrevista, afirmou, enojado: "Nunca ouvi falar em tanta corrupção como neste governo". O senador Antonio Carlos Magalhães (DEM-BA), recentemente falecido, referia-se ao dirigente máximo da República, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, apenas como "ladrão". Não colou. Dada a imagem que a classe política desfruta entre os eleitores, venceu, na dúvida, o presidente Lula, que trazia uma política social inédita na bagagem.


Como na política institucional vale mais a versão que o fato, o país deverá assistir nos próximos dias mais alguns lances de pura hipocrisia. O ministro das Relações Institucionais do governo Lula, Walfrido Mares Guia (PTB), foi investigado pela PF e agora o procurador-geral decidirá se apresentará denúncia contra ele. Embora esteja sob investigação por conta do caixa 2 do tucano mineiro, o ministro promete ser a próxima crise do governo de Lula. Pode-se ponderar que Lula, depois dos tumultos do primeiro governo, não poderia ter feito uma maioria parlamentar a qualquer preço e deveria escolher melhor suas companhias, mas esse argumento também remete aos governos FHC. Afinal, o PTB do ministro esteve na base de apoio de todos os presidentes desde a sua recriação, em 1980.


A repercussão dos escândalos do mensalão e do valerioduto mineiro, ou melhor, a simples existência de Marcos Valérios, devem deixar a arena da disputa político-partidária. É sobre as razões pelas quais esses esquemas existem historicamente no Brasil e se mantém ativos que a sociedade em geral, e os partidos em particular, devem se debruçar. E, para que se inicie um debate sério, sem hipocrisias, é necessário reconhecer que: o sistema político funciona e se financia com dinheiro ilegal; os partidos não se diferenciam fundamentalmente quando se trata de captação ilegal de dinheiro (talvez com exceção do P-SOL, que é novo e ainda não tem grande representatividade; o PT era exceção, mas esse é um verbo no passado); a lavagem de dinheiro de origem duvidosa é uma atividade comum no meio político e os donos de lavanderias ganham dinheiro com isso. No limite, não existe grande diferença entre as finanças partidárias e de qualquer organização ilegal. Se partir desses princípios, o debate de como trazer à superfície a vida das agremiações partidárias pode ser feito com alguma seriedade. Fora isso, é jogar para o eleitor e para a platéia.

Maria Inês Nassif é editora de Opinião. Escreve às quintas-feiras

maria.inesnassif@valor.com.br

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