domingo, 16 de setembro de 2007

Dois mundos


Tereza Cruvinel

Na semana turbulenta em que todos perderam, mas o campo governista pagou custo político maior com o desfecho da crise do Senado, a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) do IBGE trouxe números alentadores mostrando que a vida dos brasileiros melhorou em todos os aspectos no ano passado. Enquanto a campanha eleitoral corria, os pesquisadores estavam colhendo os dados. Por isso, diz o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, “quem não entendeu porque Lula ganhou devia ler a PNAD com atenção”.

A decrepitude da política e a exuberância da PNAD são sinais deste tempo singular que, com suas gritantes contradições, turvam as visões.
Se o governo acha que “nunca antes” tudo andou tão bem, embora a própria PNAD mostre muito do que falta por fazer, a oposição discursa como se tudo fosse um pântano e regressão.

A indireta de Paulo Bernardo é para a oposição que sextafeira, ainda com os nervos tensos de revolta com a absolvição de Renan Calheiros, minimizava a pesquisa ou negava ao governo atual qualquer mérito nos resultados (que decorreriam apenas da manutenção da política econômica de FH).

Foi o que disseram alguns de seus líderes, como o senador Heráclito Fortes (DEM-PI) e o deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), acrescentando que a melhora não é maior porque o Brasil (por falha do governo) vem crescendo bem menos que outros emergentes. É verdade, mas o sujeito que arranjou emprego, pôs mais dinheiro no bolso, comprou computador ou entrou no mundo dos plugados à internet não está interessado, em seu julgamento político, no desempenho da economia de qualquer outro país. Não pensa que, se morasse na Índia ou no México, estaria ganhando bem mais.

Lula, em Oslo, estava muito mais atento à PNAD do que à crise no Senado, no dia seguinte à absolvição de Renan (no que pese o aperto que o governo passará para tirar dali uma CPMF aprovada). Cobrou na quinta-feira à noite o resumo da pesquisa. Bernardo prometeu enviá-lo mais tarde, Lula encontraria o fax ao acordar.

Não, disse ele, “vou ficar acordado até você mandar”.

O que há de bom na PNAD não foi feito apenas neste governo mas os números dizem que todos os indicadores melhoram no primeiro mandato Lula. O rendimento do trabalho cresceu 7,25% em 2006 mas foi de 13,5% no Nordeste, região em que Lula foi mais votado.

No governo anterior, houve crescimento de 2,7% em 1996, impacto do Real, mas depois quedas sucessivas que culminaram nos -7% de 1999, ano da debacle cambial. Lula também começaria com -7% em seu arrocho de 2003; 2004 seria nulo, mas já houve crescimento de 4,5% em 2005. Segundo a pesquisa, a metade mais pobre da população foi a mais beneficiada pela recuperação da renda, a maior, para essa faixa, em dez anos. No entanto, a renda média não superou o salto de 1996, quando chegou a R$ 975. E esse é um benefício que vai muito além do universo do Bolsa Família.

O índice de Gini, relativo à desigualdade, entre 1995 e 1998 teve queda (melhora) de 1,71%. Entre 1998 e 2002, de 2,09%. Entre 2002 e 2006, de 3,91%. É uma melhora continuada, acentuada no último período.

A modernidade está chegando de forma mais homogênea para todos. O acesso ao telefone, fixo ou móvel, cresceu em todas as regiões, assim como o acesso ao computador e à internet.

Mas se no Sudeste 29,2% dos domicílios têm PC e 23,1%, acesso à internet, no Norte e no Nordeste esses índices ficam em 6%. É a persistência da grande desigualdade regional.

Houve melhora na escolarização e queda ligeira no analfabetismo. O Pro-Uni, vai se gabar o governo, contribuiu para o aumento de 13,2% no número de estudantes universitários.

Em 2006, o crescimento do trabalho infantil incomodou muito Lula na campanha.

Era sempre cobrado por isso e admitia a falha.

Foi sobre ele que primeiro perguntou a Bernardo.

Houve queda, de 12,2%, em 2005, para 11,5% em 2006 mas ainda é inaceitavelmente alto. Ele quer agora um estudo detalhado das áreas que mais precisam melhorar. E são muitas.

Estamos longe de 2010, mas se houvesse uma eleição hoje, haveria marqueteiros em desacordo.

Os da oposição diriam, parodiando James Carville, aquele de Clinton: “É a política, estúpido”. E a política anda estupidamente regressiva.

O do campo governista diria: “São a economia e as politicas públicas, estúpidos”. É uma estupidez ignorar o peso que ambas tiveram na reeleição de Lula. O danado, para o país, é quando há uma conta de soma zero entre a ação política e as políticas públicas.

Hoje, parece ocorrer isso.

Leia a integra da coluna de Tereza Cruvinel no jornal O Globo (para assinantes)

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