segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Caso Renan: "Resultado do julgamento tem que ser respeitado"

César Felício

A oposição poderá trilhar um caminho arriscado caso leve às extremas conseqüências a sua estratégia de obstruir as sessões no Senado presididas por Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente da Casa absolvido em plenário da acusação de falta de decoro, na última semana. Para a cientista política e professora da UFMG Maria de Fátima Anastasia, especialista em análise das instituições, "não há sistema político que se mantenha se não for capaz de tomar decisões". A radicalização da oposição, em tese, poderia levar a este impasse.

"No Senado, a oposição representa uma minoria, mas robusta, e tem quase a quantidade de votos necessária para impedir a aprovação de propostas que exijam quórum qualificado", lembra a professora. O possível impacto de um endurecimento da oposição no Senado pode ser medido por uma recente pesquisa do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), que constatou que em mais de 50% das votações em plenário a maioria dos senadores do PSDB e o DEM acompanharam a base governista. "Houve apoio porque as agendas se cruzaram, em questões como a da Previdência. Um recurso recorrente à obstrução a tal ponto de se impedir que se discuta, se debata e se decida pode ser algo que provoque alguma preocupação".


O sucesso da tática da obstrução poderia levar a oposição a deixar de capitalizar uma possível onda de indignação da opinião pública com a absolvição do senador. "Foi muito ruim o resultado do julgamento, mas se as regras do jogo foram seguidas, ele teria que ser respeitado, sob pena de entrarmos em um universo hobbesiano", diz a professora, frisando que levava a análise ao paroxismo: "É preciso deixar claro que sequer avento a hipótese de uma crise institucional, o sistema democrático representativo no Brasil é sólido, mas fazer obstrução contra um resultado de acordo com as regras estabelecidas, ainda que seja direito das oposições, não me parece ser a opção mais acertada do ponto de vista do funcionamento da democracia".


Segundo Fatima Anastasia - irmã do vice-governador mineiro, o também acadêmico Antonio Junho Anastasia - é crucial separar em ocasiões de escândalo as instituições das pessoas que as compõem. "Eu não tenho dados que me permitam dizer sim ou não em relação à uma possível queda da credibilidade do Congresso. Mas os congressistas estão muito desacreditados e isto está respingando na instituição, o que é particularmente deplorável ".


Co-autora de um livro que compara o que chama de "arranjo institucional"- por analisar de forma combinada o sistema de divisão de poderes e a organização de partidos políticos - dos dez países da América do Sul, Anastasia vê virtudes no modelo brasileiro. Ressalta que o sistema partidário é razoavelmente mais sólido que o de países como Peru e Argentina. "Este arranjo, chamado de 'presidencialismo de coalizão' por Sérgio Abranches, tem grandes virtudes, porque conduz à dispersão dos poderes. E esta dispersão é benéfica para a democracia", afirma.


Ao ser indagada se a onda de escândalos de corrupção no Legislativo não poderia levar o Executivo a se fortalecer, como se fosse o único representante popular, Anastasia cita o controle pelo voto. "Dados compilados pelo Centro de Estudos Legislativos da Universidade mostram que, dos deputados envolvidos nos escândalo do mensalão e dos sanguessugas, 59 se recandidataram. Destes 59, apenas nove se reelegeram. Ou seja, os eleitores estão tendo um comportamento de punir os envolvidos no escândalos", comentou a professora. Anastasia lembra que há uma diferença de gradação entre um episódio e outro. "Os envolvidos no mensalão foram 11 e reeleitos seis, ou 55%, um percentual alto. Dos envolvidos no outro caso, que são 47, se reelegeram apenas quatro. Uma hipótese para se explicar a diferença é que o mensalão estava mais distante da eleição do que os sanguessugas", comenta.


Anastasia defende a manutenção do Senado - há propostas, dentro de partidos como o PT, para que se estabeleça o unicameralismo, tal como foi feito na Venezuela - mas afirma que a Casa mantém regras que são um desafio para o que os cientistas políticos chamam de accountability , ou mecanismos de controle e transparência das instituições.


"Veja o resultado da votação. Trinta e cinco senadores votaram contra a cassação. Antes, nove afirmaram publicamente que votariam assim. Depois da votação, quando os votos contrários à perda de mandato foram 40, ainda assim a maioria disse que havia votado a favor da cassação. Na casa legislativa, estão ali representantes e é perfeitamente razoável por parte dos representados quererem ter ciência do que ocorre. O voto secreto só é melhor que o aberto na apreciação de vetos. Informação na democracia é absolutamente importante e crucial", diz.


Ressalvando que o Senado é menos estudado que a Câmara entre os cientistas políticos, Fátima Anastasia afirma que o sistema de suplência no Senado é outro entrave para o controle social. "Há um número muito grande de suplentes em exercício efetivo e na imensa maioria dos casos são desconhecidos, empregados, parentes ou financiadores de campanha dos senadores. Como se cobrar o voto deles? Há um déficit de representação", afirma.


Anastasia resgata uma proposta elaborada pelo cientista Charles Peçanha, do Iuperj do Rio de Janeiro: a de criar um sistema de sublegendas para fazer a eleição de suplentes: assumiria a função o segundo e o terceiro colocado do mesmo partido dentro de uma chapa. "Seria algo como uma eleição proporcional para o Senado. É uma alternativa interessante". Fonte Valor

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