segunda-feira, 9 de julho de 2007

A vizinhança, vista desde o Planalto


Valor

Foi rápida, não mais que dez minutos, a última conversa entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente boliviano, Evo Morales. Não há mais pontos de atrito entre o Brasil e a Bolívia, garantiu Morales a Lula, em tom amistoso. Mas disse esperar investimentos conjuntos da Petrobras e da estatal petrolífera boliviana YPFB. Desconfiado, Lula lhe respondeu que há até interesses da Brasken em investir na Bolívia, mas que é preciso um melhor ambiente institucional para garantir novos investimentos. Não se falou dos milhares de brasileiros na fronteira, ameaçados de expulsão, mas alvo da atenção da embaixada do Brasil na Bolívia.

A conversa dos dois presidentes ocorreu na reunião de cúpula do Mercosul, há duas semanas, no Paraguai. Pouco antes de partir para Assunção, Lula pediu aos ministros que busquem uma forma de tirar o Brasil do foco da campanha eleitoral paraguaia, que transformou a energia fornecida por Itaipu em tema de polêmica. Além de criar facilidades para o comércio na fronteira, com tarifas menores para compras legalizadas em uma espécie de Supersimples bilateral, Lula pediu estudos para ver a possibilidade de antecipar pagamentos por fornecimento de energia de Itaipu, e aumentar os recursos que ingressam no país vizinho.

Na semana seguinte, na Europa, o presidente brasileiro foi surpreendido com o anúncio de que o presidente da Argentina, Néstor Kirchner, teria pedido a Lula para fazer um esforço de conciliação com o presidente da Venezuela, Hugo Chávez - com quem o governo brasileiro vem se desentendendo devido às renitentes críticas do venezuelano ao Mercosul e ao Congresso brasileiro. Não há registro, no Planalto ou no Itamaraty, de pedido desse teor feito pelo presidente argentino, embora tenha sido o próprio Kirchner quem tenha anunciado um telefonema com o esforço de mediação.

O gesto de Kirchner pode ter sido uma manifestação a pedido do próprio Chávez, que claramente busca um pretexto para desvencilhar-se do compromisso de adaptar sua política de tarifas de importação às regras do Mercosul. Diplomatas brasileiros vêem vagos gestos da diplomacia venezuelana, nos últimos dias, para evitar a escalada de declarações conflituosas entre os dois governos. "É uma manifestação positiva, o presidente Kirchner está desempenhando um papel moderador, que qualquer presidente teria", desconversa, conciliador, o assessor internacional de Lula, Marco Aurélio Garcia, ao confirmar que não tem notícia de telefonema do argentino.

Discursos como o de Morales contra o etanol (considerado "gratuito" e inconveniente por importantes diplomatas ligados ao ministro Celso Amorim), as diatribes de Chávez contra o Mercosul, ou manifestações agressivas de outros mandatários da região não devem tirar o governo brasileiro de seu verdadeiro foco na região, defende Garcia. E o foco, diz ele, é a integração real entre os países do continente, a quase totalidade deles (exceto a Bolívia) vizinhos de importância para os interesses do Brasil e parceiros que compram bem mais do que vendem no comércio com os brasileiros.

Morales garante fim de atritos com o Brasil

"Não é uma política externa ideológica: os interesses de integração sul-americana são compatíveis com os interesses do Brasil", argumenta Garcia.

O governo brasileiro, defende ele, tem de agir com "serenidade", sem misturar fenômenos que se explicam pelas circunstâncias de política interna de alguns dos países vizinhos com aqueles que podem, de fato, prejudicar os interesses brasileiros - e que terão resposta dura do governo, garante. "Se queremos uma política de integração, tem de ser uma que atenda a todos, se alguém quiser impor sua visão não haverá integração", raciocina o principal consultor de Lula em matéria de assuntos internacionais. Os governos decidirão se querem formar um continente integrado, com o Brasil, ou apenas manter boas relações, diz Garcia.

Ele concorda que há falta de avanços no Mercosul, mas afirma que, para maior integração, os governos do bloco têm de dar aos negociadores mandatos mais ambiciosos, que permitam maior ligação entre as economias e mais decisões políticas comuns. No caso do Paraguai, parceiro de onde se prometem notícias de confrontos com o Brasil, Garcia diz ter sinais da oposição paraguaia de que não há interesse em acirrar conflitos e diz que os desentendimentos divulgados pela imprensa paraguaia "não têm consistência". O Brasil tentará afastar-se do foco da disputa política eleitoral lá, informa ele.

"Em nossa estratégia, a integração é o tema-chave, e não vamos nos perder em coisas subjetivas", advoga ele. Lembrado de que as agressões verbais de mandatários vizinhos podem ajudar a minar, no Brasil, o necessário apoio interno aos esforços de integração, Garcia argumenta com a defesa da "serenidade".

"O Brasil pode se permitir isso, porque tem uma situação interna muito boa, e não só na economia", afirma Garcia, que chegou a assumir a presidência do PT durante as turbulências do escândalo do mensalão. Sobre os escândalos contremporâneos diz que é muito positiva "essa experiência que o país vive, de aprofundamento democrático". O Brasil é um bom exemplo de "como as coisas podem ser feitas", assegura. Garcia deixa escapar que há movimentação no PT para dar "direção ainda mais consistente" às políticas de governo, mas diz que é assunto a ser discutido no partido.

O Brasil está disposto a conversar sobre mecanismos para substituição de importações nos países vizinhos, uma demanda particularmente forte na Argentina e nos países andinos mais conturbados: Bolívia, Equador e Venezuela. "O caminho, para isso, é a integração", insiste.

O êxito da visita de Lula à Europa, na semana passada, quando os brasileiros colheram forte incentivo à campanha de Lula pelo biocombustível, aumentou a boa disposição no Planalto. E, aparentemente, apesar do barulho que se ouve na América do Sul, não se vê, de lá, nenhuma ameaça séria, na vizinhança capaz de estragar esse humor.

Sergio Leo é repórter especial em Brasília e escreve às segundas-feiras

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