domingo, 1 de julho de 2007

Maquiavel: Um legírimo herdeiro do humanismo italiano

Mauro Baladi

Não há forma mais perigosa de alcançar a imortalidade que deixar de ser substantivo para transformar-se em adjetivo. Se alguns grandes homens fazem jus à sua fama póstuma - como o Marquês de Sade e o sadismo, Platão e o amor platônico - outros são vítimas de uma reputação escandalosa totalmente indevida e injustificada. Nos dicionários, por exemplo, 'maquiavélico' é sinônimo de astucioso, ardiloso, velhaco e oportunista. Porém, será que essas palavras poderiam aplicar-se ao próprio Maquiavel, ou mesmo à sua obra?

Na biografia Maquiavel - Um Homem Incompreendido (Record, 364 págs., R$ 50), do jornalista britânico Michael White, o título já nos revela um propósito meritório: substituir o mito mal digerido pela história verdadeira, remover a espessa camada de imaginário para nos apresentar Niccolò Machiavelli, cidadão florentino nascido em 1469, pensador, político, diplomata, historiador, escritor e dramaturgo - mas também um pai de família, bom amigo, mulherengo e gracejador (como nos mostra seu conto Belfagor, o Arquidiabo, sobre um demônio que se casa e fica conhecendo, então, o verdadeiro inferno).

Numa época cheia de guerras, abusos e violência, numa Itália fragmentada e transformada em campo de batalha de inúmeros interesses, Maquiavel foi um cidadão exemplar e um patriota incrivelmente consciente. Se o poder parece ser a grande preocupação de suas principais obras, este poder não é certamente reservado para ele, mas para o líder que seja capaz de colocar sua Itália em pé de igualdade política com as outras nações européias já unificadas.

Como sabemos, as cidades italianas do tempo de Maquiavel foram o palco, por excelência, da Renascença européia, sendo pródigas em artistas brilhantes, gênios da ciência e pensadores notáveis (por vezes, como no caso de Leonardo da Vinci, encarnados em um mesmo indivíduo). Todo este cenário, no qual se move com desenvoltura nosso personagem, é reconstituído detalhadamente por White.

Se o homem não faz jus à fama, a obra merece certamente o destaque que vem tendo ao longo dos últimos 500 anos. Longe de resumir-se ao Príncipe, pequeno tratado que é a semente de toda a ciência política moderna, a atividade literária de Maquiavel foi rica e variada, especialmente como historiador. Tomado pela crença - tipicamente renascentista e plenamente verdadeira - de que o passado não é algo morto, Maquiavel utiliza a história antiga e a recente de forma bastante pragmática. Homem positivo por natureza, ele não quer exibir velhas estradas em ruínas, e sim mostrar que os antigos caminhos da glória ainda podem ser percorridos pelos homens corajosos e determinados. Leia mais no jornal O Estado de São Paulo (para assinantes)

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