quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

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MARCELO COELHO


Barack Obama não é um caubói, um astronauta, um fuzileiro naval. Não lembra ativistas negros

ESCREVO ESTE artigo sem saber o resultado das prévias de New Hampshire. E sem saber direito, aliás, onde fica New Hampshire nos Estados Unidos.
Sei menos ainda o que pensa Barack Obama, e se é uma vantagem para os democratas ter o senador negro de Illinois como candidato à Presidência dos Estados Unidos, em vez de Hillary Clinton.
Vou mais pela cara de cada um. Sem dúvida, seria uma bela novidade ter uma mulher como Hillary Clinton no lugar de Bush. Mas, se o critério é novidade, Barack Obama vale muito mais a pena. Visualmente, pelo menos.
Hillary traz aquela aparência composta, artificial, maquiada, de toda mulher executiva em qualquer parte do mundo.
Os homens da classe dominante dispõem de uma série de recursos estabelecidos para se impor fisicamente ao mundo exterior: o terno, a gravata, o sorriso, a gesticulação decidida, a posição dos ombros, a estrutura óssea do queixo.
Nas mulheres executivas, apesar dos conjuntinhos de saia e paletó, a armadura convencional do "poder" e da "objetividade" tendem a se concentrar no rosto. O corte de cabelos, a maquiagem, um ou outro retoque de botox, fazem-nas ainda mais padronizadas do que seus equivalentes masculinos.
Apesar da cor da pele, há menos diferença visual entre Hillary e Condoleezza, por exemplo, do que entre Gordon Brown e Tony Blair. Os homens poderosos podem ser baixinhos, gordos, cabeçudos, carecas... podem ostentar narizes ou sobrancelhas descomunais.
Ponha-se uma mulher de candidata, e, bonita ou feia, seu destino será aproximar-se do figurino antinatural, dessexualizado e biônico da grande Górgona dos anos 80, a baronesa Thatcher.
Machismo de minha parte? Acho que não. Machismo delas, talvez. Cumpre-lhes, sem dúvida, anular por meio de maquiagem e cabeleireiros o que possam ter de imprevisível, de "diferente". É como se fossem obrigadas a eliminar o que, na imagem feminina, costuma-se associar a um comportamento errático, sazonal, "de lua".
Personalidades como Hillary não podem ter acordado com o pé esquerdo, ou com o cabelo em desordem. Tudo, nesse novo estereótipo da mulher poderosa, tem de estar sob controle: a cosmética facial trata de exorcizar qualquer fantasma de ingovernabilidade ou desatenção.
Não será este um ponto fraco para a imagem de Hillary Clinton? Tanto ela quanto Barack Obama representam a esperança de superar os oito desastrosos anos de George W. Bush. Mas Hillary aposta mais na previsibilidade e na experiência do que na mudança. Seu visual é claramente conservador.
E basta ver Barack Obama na televisão para perceber que há algo completamente novo no ar. O terno e a gravata estão lá: mas o corpo de Obama parece ter vida independente de suas roupas. Movimenta-se com uma flexibilidade, uma leveza, uma angulosidade que o distingue radicalmente do modelo de jogador de futebol americano adotado pela maioria dos candidatos à liderança da Casa Branca.
Não é um caubói, um astronauta, um fuzileiro naval. Não se assemelha tampouco aos ativistas negros das décadas de 60 e 70. Sua aparência é de alguém mais solto, menos sufocado pela política de identidades que divide o ambiente ideológico norte-americano. Se o fato de ser negro constitui uma novidade e tanto, o que mais chama a atenção na figura de Obama é o seu desenraizamento, sua "laicidade", se posso resumir assim.
Um dos males da esquerda (penso nas eleições francesas, por exemplo) está no fato de que seus candidatos parecem ficar o tempo todo na defensiva, tentando fingir que não pensam aquilo que de fato pensam.
Enquanto isso, a direita acumula sucessos quanto mais se radicaliza. Os conservadores perderam o medo de ser conservadores; os progressistas fazem o possível para esconder seu progressismo.
Na França, Nicolas Sarkozy não tinha problemas em ser de direita, enquanto Ségolène Royal tentava ganhar os votos do centro. Uma vez eleito, Sarkozy conseguiu aliados à esquerda, porque nunca teve medo de si mesmo.
Se é para fazer mudanças, nada pior do que um progressista se embonecar de executivo de multinacional, apenas para não se confundir com Chávez. Uma esquerda que não seja, como Chávez, troglodita, tem de inventar um figurino novo. O que significa, talvez, criar a partir do nada. É nesse vazio, nesse éter de futuro e imprevisto, que Barack Obama parece dançar com elegância. Resta saber se não tropeça.


coelhofsp@uol.com.br

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