sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

CPMF: PIB e popularidade de Lula explicam resultado

Bonança acirra a disputa política



Valor

O PR tem quatro senadores e comanda um dos ministérios mais aquinhoados da Esplanada, o de Transportes. Na votação que derrubou a prorrogação da CPMF, metade da bancada do PR votou contra o governo.


O ministro Alfredo Nascimento terá o bônus de conduzir nos próximos anos a bem sucedida concessão das rodovias à iniciativa privada. Mas não arcou com o ônus de manter a base de seu partido unida ao governo. É isso que se espera de um governo de coalizão, lembra o professor de Ciência Política da USP, Fernando Limongi.


O PR unido não bastaria para garantir os quatro votos que faltaram ao governo. Mas é na base do governo, e não no PSDB, que devem ser buscadas as razões da derrota, diz Limongi. Tem ainda o PTB, cujo ministério não tem dinheiro, mas o prestígio de comandar nada menos que a articulação política do governo. Pois deixou escapar um de seus seis senadores, Romeu Tuma (SP). O ministro José Múcio tampouco dava quaisquer garantias de que fosse capaz de garantir o voto do senador Mozarildo Cavalcanti (RR), que ausentou-se da votação para acompanhar as exéquias do governador de seu Estado.


As demais defecções da base - três senadores do PMDB - eram previsíveis. Foram até pequenas visto que há sete meses, desde a saída de Silas Rondeau, o partido está desprovido de sua pasta mais aquinhoada, a de Minas e Energia.


Junte-se à incapacidade do governo de manter a fidelidade de sua base, o inesgotável repertório do presidente da República que, montado no espetáculo do crescimento e em sua popularidade, vê-se com livre conduto para cutucar a onça com vara curta. A agressão preconceituosa do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso contra a baixa escolaridade de Lula é desses petardos que se voltam naturalmente contra quem os lança. Mas Lula não se contém. Deve ter se sentido de alma lavada ao responder que é menos instruído mas governa melhor. Mas cometeu o erro de desprezar a vaidade ferida de seu antecessor, que fomentou sua bem sucedida dobradinha com o senador Arthur Virgílio (PSDB-AM).


O senador que comandou a maior derrota do governo Luiz Inácio Lula da Silva no Congresso recebeu 25 mil votos na última eleição que disputou. A candidatura de seu filho à prefeitura de Manaus teve 3% dos votos em 2004, o que o deixou em quarto lugar. Na disputa seguinte, em 2006, o candidato do seu partido à Presidência da República, Geraldo Alckmin, teve no seu Estado, o mesmo do ministro Alfredo Nascimento, o pior desempenho. Foi lá que o presidente eleito alcançou seu maior percentual de votos em todo o país - 78%.


Votação antecipa clima de 2010


O senador Arthur Virgílio é ruim de voto, mas um leão no plenário. Que o diga o senador Pedro Simon (PMDB-RS), desnecessariamente agredido durante a votação. Os números não diminuem sua vitória ao conduzir a bancada de seu partido a votar unida contra o governo. Mas pontuam o sentido da votação. A vitória parlamentar do PSDB ainda está por mostrar sua associação com um projeto de poder do partido. A não ser que os tucanos tenham resolvido que, além de resgatar o governo FHC como o principal mote de sua propaganda, estão dispostos também a apostar seu futuro num projeto de poder findo há cinco anos.


A outra possibilidade é que o PSDB tenha optado por dar prioridade absoluta à sua aliança com o DEM, este sim fechado desde sempre contra a CPMF. Mas aí também a perspectiva de poder resume-se à defesa, em convenção partidária, da candidatura própria do único governador do partido, José Roberto Arruda (DF).


A perspectiva de poder do partido está nas mãos dos dois governadores derrotados - Aécio Neves (MG) e José Serra (SP). O resultado da votação não traduz apenas a ausência de comando de ambos sobre suas bancadas no Senado. A aposta de ambos na CPMF não se baseava apenas na saúde financeira de seus Estados mas também no Orçamento que ambos almejam comandar a partir de 2010. Arrumaram uma proposta e um discurso e até uma carta do presidente da República para embalar sua pretensão: a de que a contribuição, integralmente destinada à Saúde, recuperaria seu caráter original proposto pelo PSDB. Seguiriam assim incólumes na aposta de que a disputa de 2010 não será vencida por um adversário do presidente. O resultado da votação coloca esta aposta em rota de colisão com o seu partido.


Os propósitos dos governadores são os mesmos mas atendem a dois projetos de poder que correm paralelamente. Em nome de quem os senadores vão abandonar suas posições? Quem se compromete com o ônus de um senador se rebelar contra uma posição majoritária da bancada? Serra, Aécio, ambos ou nenhum deles?


Fora os erros do governo e os desacertos da oposição, tem a doce realidade a pesar sobre o resultado. Com uma produção industrial batendo recorde após recorde, o emprego, a massa salarial e a arrecadação em alta contínua, ficou difícil arrebanhar três quintos em torno da resistência do governo em dividir a cena do espetáculo. Os números do PIB e os índices de popularidade do presidente horas antes da votação oferecem uma explicação simples para o resultado. Não é a toa que o senador Simon, representante do Estado em piores condições financeiras da federação, foi o único voto que o governo conseguiu reverter nas últimas semanas de negociação. A bonança acirra a disputa política. E cada vez mais, até 2010.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

mcristina.fernandes@valor.com.br

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